você que já veio e você que está

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Adeus ou Não posso te dizer pra onde vou porque não sei

Entrei em seu carro e lá fomos nós. Eu abri a janela porque aquele cheiro de carro - sabe cheiro de carro? - aquele cheiro de carro me dava uma agonia, tipo, um enjôo terrível. Olhava ora para fora, ora para dentro, enquanto fazia movimentos loucos quaisquer com o braço direito contra o vento. Sempre gostei de fazer esse negócio, eu me sinto meio que numa espaçonave, em algum lugar como a lua, em que não tem gravidade. Ele me dizia algumas coisas às quais eu não prestava muita atenção. Há meses que não nos víamos, ele estava diferente, um pouco mudado, mais magro. Os cabelos também estavam meio esquisitinhos, liso dos lados e cacheado no meio, sei lá se isso existe - já viu isso? Nós íamos a um restaurante no Jardim Botânico, mas ele se perdia toda hora, entrou em uma cinco ruas erradas. Ele no volante era péssimo. Às vezes eu dava atenção ao que ele falava, mas ainda assim com o mesmo ar grosseiro de sempre. Eu sou sempre muito grossa com ele. Ele merece. Enfim, falava sobre coisas que não me importavam ou interessavam. Eu cagava, mas respondia, para não ficar parecendo que eu estava cagando. Ele olhava pra mim - como você é linda -, olhava pra longe, olhava pra mim, olhava pra longe. Eu sorria amarelo. Ele na verdade não prestava muito não, eu sabia disso e estava ali só porque ele disse que queria se despedir de mim, que ia viajar para não sei onde, que ia fazer não sei o que lá. Tá bom. - Vou sentir saudade de tudo isso - Viagens passam rápido, quando você perceber já vai estar de volta. Quando eu dizia isso, eu disse umas três vezes, ele me olhava com uma cara melancólica, das mais tristes que eu já havia visto. Uma cara de - coitadinha, não sabe de nada. Eu, hein. Mas não é?
Ele passava pelos lugares e, ao passo que ia se perdendo e se reencontrando no caminho, me dava algumas recomendações. Tudo muito esquisito, é claro. Eu, com vinte e seis anos, sabia muito bem que era pra ter cuidado ao andar na Voluntários à noite, que o metrô não era muito seguro depois das oito horas, que o Koni estava subindo de preço e por isso seria inteligente guardar aquele cartãozinho que te dá um desconto após a compra de dez konis, e vai por aí. Ele me dizia isso tudo repetindo algumas vezes as mesmas coisas - você não me vai ficar andando por aí na Voluntários tarde da noite. E o metrô, você cuidado com o metrô, hein! Que metrô depois de oito horas é um perigo. Guarda também o cartãozinho do Koni que dá desconto porque o preço dos Konis só faz subir. E não me vai ficar andando por aí na Voluntários depois de escuro, hein! -, parecia ausaimer. Era um festival de ''eu, heins''.
Chegou num assunto que eu além de ouvir fiquei prestando atenção e ainda de quebra respondi. Era sobre uma gentinha que eu odiava e que ele amava. Eu disse que ele não prestava. Que aquilo tudo era culpa dele, que ele não prestava, que ele não prestava, ele chorava, eu gritava mais, quanto mais ele chorava mais eu gritava, que aquele chororô estava me dando uma porra de um ódio dele, mas um ódio dele! Saí do carro batendo a porta o mais forte que os meus pequeninos braços me permitiam (bem mais forte que o suficiente), gritando todos os palavrões que constavam no meu acervo léxico - putaqueopariucaralhoseufilhodeumaputaquemerdacomoéqueeufuiconfiaremvocêvocêémesmoumfudidodemerda" - e jurando nunca mais querer olhar a fuça daquele rapaz novamente em vida. Isso foi verdade por um tempo.
Três meses depois lá estava eu, com uma rosa em uma mão e um pedido de descupas pela minha esquentadês. Toquei a campanhia da casa dele. Esperei um tantinho, ninguém abria, resolvi ligar para o seu celular. Caixa postal. Toquei mais uma vez - dona Cida? Estelinha? -, cadê a mãe, a irmã? Ninguém? Abriu a mãe - quanto tempo, minha filha - ela dizia isso com o ar deprimido que nunca tivera. Trajava um longo vestido negro muito simples, não estava maquiada, como eu havia guardado a sua figura em memória. Achei-a pálida e demasiadamente infeliz. Perguntei o que havia acontecido - cadê ele? É que trouxe uma - ela me interrompeu - eu achei que vocês estivessem brigados, ele estava tão mal -, eu me animei nessa hora - ah, nós estamos, sim! Mas quero fazer as pazes. Eu trouxe uma rosa! - dona Cida chorou muito, muito, muito, muito, quando eu disse isso. Mal podia sustentar-se em pé. Foi cambaleando com minha ajuda até o sofá, onde apoiou seus braços, ajoelhada no chão e cabisbaixa. Desesperei. Sacudi a pobre mulher até que ela me falasse o que havia acontecido - ele morreu - disse seca - já tem três meses. Parei.
Eu olhei para qualquer lugar. Não via nada. Só conseguia sentir os meus olhos enchendo-se de lágrimas. O meu corpo todo tremendo como que num choque - o quê? -balbuciei - ele não ia viajar? - tudo isso imóvel. I-mó-vel. - Ele - controlou-se dona Cida, e tentou me explicar com as poucas palavras que lhe restavam - te disse isso para que você não sofresse - mas ele me disse um nome! Um nome! Pra onde ele ia! Pra onde ele foi? Eu vou atrás dele! Eu vou atrás - chorei, choramos. Uma no colo da outra, como mãe e filha. - Ele não te disse para onde ia, minha filha - dona Cida, numa última fala -, porque nem ele sabia.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Gás

se sou bolinha é culpa tua
que fura a minha bunda e
faz cócegas nas narinas

sendo preta e vermelha
mais preta que vermelha
eu te amo ah!, eu te amo

é só por tua causa
faz do meu copo, gaiola
pro meu corpo, esmola

coca-cola

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A carta

Ai meu deus, o que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz, meu deus? – a puta não sabia o que era que ela tinha feito. Aliás, ela sabia sim, e muito bem sabido: ela podia ver na sua frente. Só não sabia como! Como? Ela havia ido ao quarto guardar os sapatos, nisso, voltou ao banheiro e estava ali o homem, todo ensangüentado, dentro da banheira cheia já com a água toda manchada de vermelho. Ao lado da banheira, uma faca empestada do mesmo sangue. De certo se alguém entrasse ali naquele momento, iria culpá-la. Mas eu – sofregamente disse a puta -, uma pobre puta, contratada por apenas uma noite, nem conhecer o homem eu conheço, meu Deus; que intenção, ai meu deus do céu, que intenção teria eu de matar o homem? Ao lado da banheira, uma carta. A puta olhou a carta e refugou com a cabeça, como quem é jesus e foge da cruz. Será que ela abria? Mas eu hein – ela – deus me livre! De abrir essa carta! Abrir, eu não abro. Nem toco! A puta tinha um negocio com deus. Era uma puta religiosa. Tem dessas coisas. Enfim, o homem, o sangue, a puta, a carta. A carta olhava para a puta, como dissesse “me abre, vai, me abre”, a puta olhava para o homem com o maior horror que ela encontrara para sentir, e o homem não olhava para nada, que morto que é morto não olha pras coisas. Teve uma hora – essa hora – em que a puta não agüentou mais de tanto ser olhada pela carta e foi lá e abriu.
“Agora é tarde para pedir que eu volte, Lucinda – Lucinda, nome interessante – pensou a puta -. Não dá mais tempo! Eu disse, não disse? Eu avisei que me matava, não avisei que me matava? – a puta se sentou acompanhada de um leve sorriso na cara – não fui eu! Não fui eu! O homem virou presunto porque quis - mas quem acreditaria nisso? Foi em que esqueceu de pensar a puta – agora não adianta mais, Lucinda, me pedir desculpas. Se queria ter feito isso, tinha que ter feito antes. Pedisse desculpa antes de eu me matar. Eu espero que você sofra bastante, sabe, Lucinda. Sofre bastante mesmo, que nem eu sofri por você quando era vivo – essa é a parte em que o defunto esperava que Lucinda chorasse; aplicar verbos no passado referindo-se a si mesmo sempre funciona, é bem dramático e costuma fazer chorar na certa -. Adeus, Lucinda. Tenha uma boa vida”
A puta estava num êxtase misturado de sentimentos como felicidade, medo, pena, pavor. Ele não tinha nada que ter se matado, não tinha nada – ela refletia consigo mesma. Então que uma mulher vale tanto assim? Uma vida? Terminou de apiedar-se dos problemas alheios assim que percebeu o tamanho do próprio: ela precisava sair correndo dali antes que algum serviçal batesse a porta ou, pior – imagina, meu deus! Uma coisa dessas! –, antes que resolvessem entrar com a chave mestra. Era um motel desses luxuosos. E o problema era o problema que surgiria por trás daquele problema: tudo bem, ela poderia pegar algum dinheiro na carteira do homem, se vestir e ralar peito do local o mais rápido possível, mas todo mundo de fato acharia bem estranho uma moça que visivelmente era uma puta saindo de um motel desacompanhada e pagando a própria conta! Algo com certeza não estaria certo. Então ela viu-se num beco sem saída. Pois se ela fizesse isso, voltariam ao quarto e encontrariam o corpo, supondo com veemência que se tratava de um assassinato. A primeira opção em que pensou foi chamar a polícia. Mas sendo uma puta, quem seria presa era ela (à época, auto-comércio era crime). Podia fingir que não era puta, mas – ah, deixa pra lá, ela não era atriz, não ia dar certo, num ia, num ia. Olhou em volta ansiando por uma janelinha que fosse. Parecia a melhor alternativa, sair pela janela, sem ser vista. Não havia, porém, nenhuminha. E mesmo que houvesse, se alguém a pegasse fazendo isso, seria como se entregar numa bandeja de prata, confessar um crime o qual nem havia sido ela quem cometera. Depois de mil e outras idéias, todas ruins, decidiu-se: parecia-lhe a única solução, a única, senão não teria sido a escolhida. Tomou a faca em mãos e cortou o pescoço, deixando-se cair sobre o corpo do homem.
Por falar na carta, ela haveria de ser encontrada uma hora ou outra. E agora ela olhava para os dois, que não olhavam para lugar nenhum.

sábado, 25 de julho de 2009

Do que você se diria se soubesse se escutar

Germana colocou as mãos na cabeça e tudo rodava. Tudo tudo tudo rodava, dos passeios ao shopping à garganta que latejava. Era filho, louça, homem, louca. Louca, louca, louca! O mundo, o que ele queria dela? Ela, o que ela queria do mundo? As meninas que brincavam, ela já não tinha mais o seu viço, os cachorros balançando os seus rabos eram bem mais felizes. Alguma coisa a atormentava e, nem ela, nem essa pobre narradora ousam saber o que seja a tal da coisa. Ela queria chorar e – olha que interessante – ela já não chorava fazia tempo!
- Papai!
Ela gritou por seu pai, o que era estranho, estranhíssimo: o pai houvera morrido já nem sabia mais há quanto tempo. E ela nunca fora tão apegada a ele assim, pra sair gritando papai enquanto rodava.
Agora era ele que ela queria. Ele ele ele. Ela não podia mais ficar em pé, a cabeça, o pai, o pé, a garganta.
O pé doía de ficar em pé.
Ela doía de ficar de pé.
Queria o pai, ela doía e ardia em todas as partes, queria a feira de bonecos de pano que ia aos domingos de trinta anos atrás, queria o Juca e o Felipinho, usar fraldas e tomar na mamadeira, quem sabe. Queria não saber e nem nunca ter ouvido falar na palavra “computador”, queria não ter chegado aos quarenta e cinco na era da internet e da tecnologia, ela não suportava ser quem era, estar onde estava, conhecer o que conhecia. Tudo o que fazia parte de seu mundo lhe era estranho e lhe parecia alheio. Ela não queria fazer parte de si mesma.
Ao que parece, é claro.
Devia ter sido bailarina. Fugido de casa pra ser bailarina – fugisse de casa (tinha um banheirinho na academia de dança em que ela definitivamente poderia ter se ajeitado, com um colchonete)! Não tê-lo feito foi pura covardia. Foi fraqueza que definiu toda uma vida de infelicidade. Ela agora sentia nojo do jaleco. Tinha feito medicina mesmo sem nem poder olhar uma gota de sangue. Que se olhasse, desmaiava. E se desmaiava, o paciente morria. Abertinho, todo descosturado. Já sentia nojo do jaleco e dela. Aquelas mãos conheciam tanto sangue! Já haviam se misturado com ossos, pulmões, veias-cavas. Nojo nojo nojo.
Germana não foi feliz em nenhum momento. Nenhunzinho que fosse. Feliz, a Germana?
Os maridos que ela arrumara tinham sido todos uns inúteis – tudo culpa da mãe dela. A mãe dela era uma vaca, a mãe da Germana.
Germana sempre achou bonito ser grande. Bailarina, pra ela, era grande. Ela queria ter sido bailarina, a Germana.
Agora ela só sabia era rodar com as mãos na cabeça.
Aí ficava rodando, pra tentar imitar as bailarinas.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Cabô fragmentado (roots)

1 - não fossem os desdizeres
dessa boca que me disse
o quê, não posso dizer
pois disse se eu dissesse
me maldiria
e esta boca ela mesma
teria-me dito as doçuras
mais doces que eu ouviria


2 - estamos no ponto em que olhar já satisfaz

3 - muito verdes
os teus belos olhos -
são como a Rodrigo de Freitas
só que transparentes

4 - a maldade que o vento traz
será ela tão bela
quanto a beleza
tão triste quanto a tristeza
ou apenas má?

5 - eu vivo
e enquanto isso
eu morro
de saudades

6 - o amor nosso é o só
o só eu
e o cúmulo
é a tua presença
ausente

7 - ser sem ti
é como ser contigo
só que preto

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Sei lá

Eu até poderia ter pedido pro seu Dode um aumento. Poderia ter procurado um outro emprego que pagasse melhor, que oferecesse condições mais estáveis. Eu poderia ter vendido a casa ou lançado a aluguel, ter pedido empréstimos no banco ou pra alguma prima, poderia até ter traficado drogas.

Com quatro filhos pra criar, o negócio fica diferente. A gente tem que se dobrar em oito pra dar de mamá, comprar comida, levar na escola, botar pra dormir, cuidar quando adoece. É foda. Ser mãe solteira é foda.

E além de tudo eu já não era comida, assim, de dar gosto, há uns três anos. Três anos! Você sabe o que são três anos sem uma boa trepada? Ou, nem precisava ser tão boa, mas uma trepada qualquer? Não sabe. Não, não sabe. É que na falta de tempo não dava tempo mesmo, né. E na falta de homem, não tinha homem.

Não que eu fosse feia. Eu sempre fui bastante ajeitadinha, nunca deixei de ouvir uns fiufius quando passava.

As coisas começaram a ficar apertadas, e eu já não podia mais alimentar cinco bocas trabalhando em casa de família. O dinheiro era curto e não dava era pra bosta nenhuma. Um batonzinho, então, eu não sabia o que era fazia tempo...

Tudo isso não bastasse, eu ainda estava subindo pelas paredes. Precisava dar. Dinheiro, sexo, filhos, filhos, sexo, dinheiro. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, filhos. Filhos, filhos, sexo, sexo. Dinheiro, sexo, dinheiro, sexo. Uma semana mais e eu seria capaz de... sei lá. Nunca fez tanto sentido!

Sei lá foi o que eu fiz.

Afinal, com quem o sexo pode fazer melhor comércio que com o dinheiro?

terça-feira, 21 de julho de 2009

Eu, hein

Como é que é o negócio? E agora é assim que se adora? Vai se esquecendo de quem é que namora sem nem dizer pronde vai só que vai embora já sai já vai saindo e eu aqui enquanto tô rindo tô chorando infindo por dentro que é pra não parecer que tá doendo e aí eu te sigo com o olhar enquanto umas duras palavras eu mastigo pra não ter que falar que se eu digo aí você reclama. Reclama que assim não dá que cadê a liberdade que eu fiquei de te deixar ter e nem adiantaria eu dizer que não é porque eu quero te prender já que você não ia ouvir ia bater o pé e gritar que tá atrasado pra sair ia me mandar parar de rir que esse riso é irônico é falso pára pára! Então que nem se eu pedir você me encara porque não tem como os seus olhos passeiam e eu é que embromo (como diz você) se quer acabar muito bem vamos acabar eu não perco nada eu na verdade nem você eu tô perdendo que eu já não tô te tendo então isso! Essa é a solução pra um caso que não tem condução de volta tua falta de amor meu excesso de paixão se eu ch se eu ch se eu choro is is is isso ttt ttt ttt te te ter termi terminando? Eu não eu hein.

domingo, 19 de julho de 2009

Trava

travesseiros:
travessos/ verdadeiros/
trapaceiros
portais de cheiros.
Memória

sábado, 18 de julho de 2009

Menina palco luz e e e

A menina sobre o palco e a luz que a cegava quase e as pessoinhas dos olhinhos brilhando (quantos quantos! tantos) e as vozes que ela ouvia e que ninguém mais e as suas mãos com as quais ela ficava meio que tentando descobrir o que fazer enquanto já fazia e agora não tinha mais pronde correr e não corria. Ficava. A menina que sentia uma felicidade quente tão tão tão quente que em vez de queimar sorria e ela amava de uma forma louca aquele chão preto arranhadasso sob os seus pés alguma coisa louca louca mesmo eu não tô zoando! e meio escorregadia. A menina repetia repetia uma coisinha escrota tipo um mantra tipo um eu adoro sentir os meus movimentos e ouvir o som da minha voz e eu tenho total controle sobre o ângulo de trezentos e sessenta graus à minha volta. A menina pensava certo - tava tava certo! - que naquilo tinha um quê de morbidez já que o quase sorriso fruto da felicidade borbulhante que não queimava por causa de bondade advinha só e só das lagriminhas tantas que eram por causa dela e do que ela fazia. Que aquilo que ela fazia conseguia deixar os outros tão tristes que isso não podia ser nada diferente da melhor coisa do mundo.
Tô louca ou tá certo?

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Amélia e o outro

Uma senhora de uns cabelinhos já brancos e ralos, mas não tão senhora assim a ponto de ter perdido o senso de moda - ela se vestia como uma lady -, sentava-se numa mesa daquelas quadradas de marfim do Batata Inglesa, no Shopping da Gávea. Em sua frente a bandeija, sobre ela uma batata cujo recheio não deu para ver e algo como uma água com gás (poder afirmar isso com certeza seria um tanto psicopata da minha parte. Eu estava só olhando). Eis que havia ali, no outro lugar da mesa de dois, uma nova bandeja. Ela abriu a garrafa d'água, - pera aí. Na ignorância do nome da criatura, vamos chamá-la de Amélia, porque "ela" já está começando a me irritar - destacou os dois copos que se encaixavam um no outro, colocou um sobre a bandeja do lugar vazio e um sobre a própria. A essa altura, eu imaginava coisas como o fato de Amélia ter um amigo imaginário. Louco, mas um tanto simpático de se imaginar. Amélia despejou cuidadosamente o líquido em ambos os copos. Começando pelo dela, colocou um pouco, passou para o outro, derramou mais um tanto, no dela, de novo, mais um gole, no outro bastante mais e, findando a experiência, deixou cair em seu copo as gotículas finais, como que dando nítida prioridade à outra pessoa. Fez tudo isso como um ritual, prestando atenção à cada detalhe, se preocupando com cada minúcia. Enfim, Amélia cruzou os braços sobre as pernas e atentou o olhar, arregalando as vistas e mexendo a cabeça em direções estratégicas. Eu parecia já ter desvendado tudo e - ah, não se fazem mais esposas como antigamente! Eu estava certa de que não demoraria muito para que chegasse o amor de sua vida, e eu teria o privilégio de testemunhar essa incrível ocasião. Afinal, não poderia ser diferente. Passaram-se uns dois minutos e se sentou à mesa uma outra senhora, ocupando o lugar metodicamente preparado. Olharam-se e sorriram. Esses tempos modernos...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Laranjeiras quando passa pela fonte da saudade e tal

cincosetezero querido não
pense que eu deixei de
amar os seus bancos cinzinhas ou
que deixei de poupar
os seus-só-seus doisevinte por vez
é só que venho querendo estar
a algumas laranjeiras
do túnel rebouças.

(mas prometo que é só uma fase)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Querido Orkut (ressurgimento)

Orkut é uma coisa muito curiosa. Quando você se inscreve nesse site de relacionamentos, tem que preencher uma espécie de formulariozinho, no qual estão contidas milhares de perguntinhas escrotas sem as quais a efetivação da sua inscrição não rola. A primeira coisa com que você se depara é o famoso “quem sou eu”, ou “about me”, para os aderentes do american way of life. Em principio, esse espaço era dedicado a frases clichês e totalmente óbvias que resumissem a sua pessoa, por exemplo, “eu sou um cara com muitos defeitos mas também cheio de qualidades, amo a vida e os seus ensinamentos”. Tinham até umas pessoas mais certinhas e especificas que não se contentavam com explicações generalizadas para seres humanos genéricos e faziam questão de colocar “Me chamo Edilza, tenho 1.73, meus dentes são próteses e eu moro de aluguel no banheiro da minha prima Mirtes, da Bahia”, elas preferiam uma coisa mais pessoal. Mas de uns tempos pra cá, as pessoas resolveram inventar uma moda de dar lição de moral ou citar frases filosóficas via perfil do orkut. Aí você acaba lendo coisas mais escrotas ainda, do tipo “Me jogue pedras e eu construirei um castelo”, ou “don’t worry, be happy”. Você desce um pouco os olhos e encontra uma série de perguntas esdrúxulas que não importam pra ninguém, a não ser pra você mesmo, que se diverte passando horas pra responder, já que finalmente “alguém” se importou com o que você gosta ou deixa de gostar. Livros. Uma pessoa que fica o dia inteiro com o cu na cadeira mandando scraps pros outros lá vai ler alguma coisa? As paixões geralmente são o mar, o sol, o surf, a areia – ou seja, a praia, de uma maneira fragmentada –, ou então alguma coisa mais ampla, pra aqueles que fingem ser ardentemente felizes e enchem o perfil de carinhas-sorriso ou o que seja essa porra, e aí preenchem essa perguntinha com respostas como “simplesmente, a vida”. Tem os egocêntricos, que se resumem a responder com uma palavrinha só: “paixões? Eu”. E quando perguntam sobre os filmes? Tem aquelas pessoas que fazem a mais absoluta questão de fazer uma lista quilométrica dos seus filmes preferidos, quando na verdade dois ou três nomes já estariam bastante suficientes. Elas colocam um asterisco e o nome do filme, um asterisco e o nome do filme, um asterisco e o nome do filme, novecentos milhões, trezentos e sessenta e cinco mil asteriscos e os nomes dos filmes. Como se alguém fosse realmente ficar lendo aquilo (o pior é que tem gente que fica). Atividades: o que seriam “atividades”, para o senhor Orkut? E os livros, paixões, filmes, esculturas, passeios de velocípede, animais de estimação, andanças de pedalinho na lagoa? Ainda querem mais atividades? Eles pensam o quê, que nós somos ativos? Hello, nós estamos no orkut! Quando você tem que adicionar também é meio engraçado. Talvez um pouco deplorável. Porque veja bem, quando você adiciona uma pessoa, você esta automaticamente se assumindo um solitário. Você manda alguma coisa tipo um recado, dizendo assim “oi, você se lembra de mim? Eu te adicionei, você pode me aceitar, por favor?”, ou então, pior: “quer seu meu amigo?”. A parte das comunidades também é bem ampla. As primeiras de que você faz parte são, geralmente, as clássicas. Existem várias, mais a mais legal de todas é aquela “nunca acabei com uma borracha”. Algo bastante construtivo, como sempre. Depois você começa a procurar alguma comunidade que tenha a ver com você, e acaba entrando em alguma tipo “Me apaixonei pela pessoa errada”. A medida em que você vai zanzando pelo site, repara na vastidão que é o acervo de comunidades existentes. E a diversidade é uma coisa absurda. Você clica em uma e vai chegando nas outras, através das comunidades relacionadas. Existem varias linhas de comunidades no orkut. A romântica, pra cornos e mal amados, do tipo “Me apaixonei pela pessoa errada”,“Será que você não vê que eu te amo?”, “O que eu faço pra você me notar?”, ou então “Estoy aqui, querendo-te”. A de auto-ajuda, como “Seja sempre você”, “Eu sou mais do que isso”, “Eu? Me abater? Nunca!”; a de intelectuais anti-sociais e totalmente cultos, tipo “A arte da Prolixidade”, “Good Writing is Sexy”, “Eu sou um personagem de Nelson”; a de recalcadas e/ ou trocadas por alguma loira mais gostosa, como “Eu Odeio Aquela Vaca” ou “Me bloqueia que eu te excluo”; a de ex-excluidas-agora-super-pops, como por exemplo “Baby baby, agora que cresci você quer me namorar”, “You are so last week” e “Vou pensar se te dou meu número”; a de gordos conformados, “Sou gordinho mas sou feliz”; a de gordos crentes na possibilidade de um futuro emagrecimento, “Fashion Week 2010, aí vou eu”.
O pior é que tem gente que perde tempo com essa merda. O pior é que tem gente que perde tempo lendo essa merda. O pior é que tem gente que perde tempo falando de gente que perde tempo lendo essa merda.

domingo, 12 de julho de 2009

Cabô

não fossem os desdizeres
dessa boca que me disse
(mirei a tua em beijo
o quê, não posso dizer
sorri)
pois disse se eu dissesse
me maldiria e
esta boca ela mesma
estamos no ponto em que
teria-me dito as doçuras
mais doces que eu ouviria
olhar já satisfaz
muito verdes
a maldade
os teus belos olhos
que o vento traz
são como a rodrigo
será ela tão bela
de freitas
quanto a beleza
tão
só que transparentes
triste quanto a tristeza
ou apenas
eu vivo
má?
e enquanto
isso eu morro
de
o amor nosso é o só
saudades
o só eu
e o cúmulo
ser sem ti
é a tua presença
é como ser contigo
ausente
só que preto

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Desabafo

Calar a boca é sempre muito bonito. As pessoas costumam perder essa maravilhosa oportunidade. Vamos lá, pensa em uma coisa específica que você tenha feito hoje, alguma situação pela qual tenha passado. Pensa no que você disse enquanto estava nessa circustância. Agora pensa bem: não seria bem melhor se você não tivesse dito isso?

domingo, 5 de julho de 2009

Sábado de manhã (ontem de hoje)

Meu irmão me deu um livro muito bom na semana passada. Falava muito sobre a observação. E eu, observadora de natureza, fiquei muito empolgada (talvez mais do que o suficiente) com isso. Ontem, sábado, eu acordei nesse tempo frio e não tinha nada para fazer. Resolvi colocar a minha calça bege larga, o meu all star vermelho e ir com a blusa do Dragão Verde que faço de pijama até a praia. Às vezes eu acordo assim meio inspirada. Praia no frio, de pijama, com um caderno e uma caneta. Sentei no banco e lá fui eu: comecei. Olhei, olhei, olhei, pra lá, pra cá, gente feia, gente bonita, pé, cabelo, como essa gente anda estranho!, gente brega, um gato, criança chata, cachorro, cara do biscoito globo, mais gente, mais gente, mar, mãos! Tenho prestado muita atenção à mãos, ultimamente. É bom isso. As pessoas dizem muito com as mãos (além de fazerem, é claro). Ao som dos Rolling Stones, comecei a anotar tudo tudo tudo. Mãos que andam junto com o corpo, que acompanham o movimento do pulso, mãos de viado, mãos que cutucam, que se mexem esquisito, mãos de velhinhos, mãos do caralho a quatro. Mãos, mãos, muitas mãos. Eis que se passou um tempitcho e eu percebi uma mesa do lado do meu banquinho solitário, na qual estavam umas cinco pessoas sentadas. De repente começo a ouvir umas risadas: estavam rindo de mim, os filhos da puta. Mas também eu não posso culpar os bichinhos. De fato deve ser engraçado ver uma pessoa olhando pros outros, rindo e escrevendo - sabe-se lá o quê. Enfim, foda-se. Nada mais divertido do que andar do Leblon até o Jardim Botânico, passar no Tablado e... continuar peregrinando.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Amarílio

O amarelo que amarela
A minha vida
É da mesma cor amarelo-ferida
Da ferida
Que você feriu
Em mim