você que já veio e você que está

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Rodrigues

- Ui, Rodrigues! Tira a mão de debaixo da minha saia! Não, não, Rodrigues. Eu já disse! Para de ser insistente. Não adianta. Eu não vou. Não vou. Não vou, Rodrigues, não vou. O quê? Mas que safadeza, Rodrigues, imagine, à uma hora dessas eu já estou há muito tempo em... Fala mais baixo, Rodrigues, todo mundo está ouvindo. Não, ai, Rodrigues, ai, não (ri feroz)! Rodrigues, você é casado. Você acha isso bonito? Não, Rodrigues, eu não vou ser a sua putinha particular. Porque não. Porque eu me dou o devido respeito. Porque, porque... porque eu sou uma mulher de fibra. Porque eu mereço alguém que – Rodrigues, tira a mão daí – eu estou falando sério – por que você não me leva a sério? – que que que me ame, que que... que que que me queira só a mim, mereço alguém que. Jura? Ai, Rodrigues, mas isso não é perigoso? Seu carro? Qual estacionamento? Rodrigues, Rodrigues. Você quer fazer com que eu perca o meu emprego aqui dentro? Não, Rodrigues, não adianta me ligar. Aliás, eu salvei o seu número como “não atender”. Porque assim é menos provável que eu te atenda. Não, Rodrigues, eu não fiz isso só para me sentir tentada. Paulo? Mas eu nunca te chamei de. Por que agora? Tudo bem, se você faz tanta questão. Tanto faz. Não, não me impressiona. Está longe. Muito menos isso. Nem isso. Também não. Aí estamos começando a nos compreender; mas... não. Talvez assim. Talvez assim. Mas um pouco mais. Mais, Rodrigues. Mais. Assim. Assim. Assim. Isso. Isso. Sso. So. O. Ah. Ah. Aaaah.

- Vem cá, quem é esse Rodrigues de quem você tanto fala no sexo?

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Tulipa

a beleza de tudo entre nós está na minha falta de pretensão e na tua exatidão
poéticos somos, seremos, viemos assim ao mundo em que estamos sorrimos
em letras, em pingos de tinta e pingas choramos também e amamos
a outros também e enfim estamos no mesmo lugar eu inata você
a mirrar mas nos encontraremos encontraremo-nos por aqui
nesta esquina ou naquele bar nos olhos que nos encer
ram as palavras que pousam desconhecendo-se uns
aos outros no colo de um, o outro que se põem
a cantar mudos cada um com seu respectivo
par de bolas de gude vibrantes marrons
é verdade mas não menos lindas des
ejando-se de momento, amando-se
prum momento futuro ardendo
momentaneamente de algo
que não se sabe o quê
a sobriedade, porém
mantém distante
o que perto
vive por
questão
de minutos de árvores de grades de vasos de gatos ou de tulipas

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Horizonte TRÍGAMO

O que um ou mais homens
podem simultaneamente
fazer com a cabeça duma mulher -
a cabeça duma mulher -
é duma curiosidade...

enquanto brigam abdômens
ela ruindades sente
nada que compuser -
nada que lhe vier -
limará saudade.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quase Alice

Com o lançamento do filme Quase Alice, agora é só de Alice que se fala. Não, é lógico que não. Mas tem-se falado bastante. Isso me remete inevitavelmente à minha infância (quando se é pequeno, costuma-se ter uns dois ou três filmes de desenho preferidos. Eu me lembro de ir à locadora dia sim dia não, alternando sempre Robin Wood e Alice no País das Maravilhas. Pegava um, deixava o outro. Pegava o outro, deixava um. Hoje em dia costumo me perguntar – em voz alta, no dia de sanidade nula, em voz baixa, nos dias de sanidade média, ou mentalmente, nos de sanidade máxima – por que diabos nunca veio à minha mente ou à de minha querida mãe a simples idéia de comprar as tais fitas de uma vez. Sairia incrível, massacrantemente mais barato).
Por inúmeras e incontáveis vezes fiz uso de minha irresistível expressão facial e linguagem tanto agudamente dengosa quanto extremamente persuasiva para que minha babá Tetê (monossílabas repetidas costumam ter essa conotação fofa mesmo) se conformasse em sentar ao meu lado e me fazer um cafuné enquanto era praticamente obrigada a assistir a não-tão-inédita história e se emocionar, rir, assustar-se junto comigo a cada nuance da trama, como se fosse a primeira vez. Tadinha.
Enfim, o assunto é Alice. Pesquisas estão aí para confirmar os possíveis desvios mentais a serem desenvolvidos por uma criança que assistiu à Alice mais do que teve suas fraldas trocadas. Quer dizer, qual é, uma menina que toma um chá aleatório e de repente começa a ver gatos falando, coelhos lhe apressando, baralhos dançando, rainhas de paus botando suas manguinhas de fora e que muda de tamanho conforme a ingestão de um líquido muitíssimo duvidoso não pode ser normal. Já reparou que tudo em Alice é super psicodélico? E mesmo por trás de toda essa atmosfera psicodélica, eu tenho certeza – e ainda vou convencer a todos disso: paira um ar bucólico sinistro! Faces humanas esboçadas em rosas, cobras amarelas fumantes (de maconha), muito do árcade feeling (ou talvez somente na minha louca e desconstruída opinião). Acho sinceramente meio psicopata da parte de uma criança ser viciada em Alice; inclusive acredito firmemente que ter sido fã incondicional da pequenina e despretensiosa loira chapada nos primeiros anos de vida é uma ótima desculpa para um recém transformado adolescente fora-da-lei. Não que eu seja uma: apesar de toda a influência para o lado negro das drogas, do sexo e do rock’n’roll vinda quase que exclusivamente de nossa querida Alicinha (colocando assim, parece uma prostituta infanto-juvenil), eu até que sou bem direitinha. Indiscutível é, mesmo para aqueles de quem o iluminismo nu e cru subiu as cabeças, a subversiva maneira com que os personagens são apresentados, a tendência transgressora em relação ao cotidiano e chato universo de desenhos infantis. Confesso que sempre mantive uma posição muito contrária aos comentários mundiais a respeito da maledicência de filmes como Cinderella, a Branca de Neve, etc. Não creio que haja algo de perverso em tais, ou que alguma mensagem que se tenha desejado passar chegue perto do que as mentes, essas sim, maldosas de cidadãos que não têm mais o que fazer elocubram. Ora bolas, agora uma mocinha perdida na floresta não pode nem mais encontrar uma casa de campo com sete anões na qual possa se abrigar, que ela já é uma prostituta e eles já são os seus objetos sexuais! Mas, Alice, eu concordo. É descaradamente alucinógeno e alucinogenamente descarado (adoro fazer essas inversões, mesmo quando não fazem nenhum sentido)!