você que já veio e você que está

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

da forma que as ondas vão, nem parece que elas vem

A janela de todo mundo está molhando da chuva que, enquanto cai, alaga a Gávea.
A Gávea alaga logo quando tem dessas chuvas.
É noite. Eu estou no mar. Acabei de terminar a areia. Meus pés conhecem o quente da água. Deliciando-se, molhando-se, querendo-se molhar inteiro. Eu continuo andando. Agora quem se apresenta ao oceano são minhas lisas e longas pernas. Entram ousadas. Como que assim fossem encontrar a felicidade eterna. É quando a água se atreve pouco mais – sobe-me à barriga em um arrepio cronometrado.
Quem disse que onda não sabe contar.
Pés, pernas, barriga, mãos, braços e pescoço imersos. Estou muito parada, tanto quanto a água queria estar quando eu me mexia. Meu olhar está fixo nas ondas de trás, nas ondas de longe, que a olho nu fica difícil de ver.
Ai, se eu tivesse um binóculo.
Continuo andando. Estou sentindo em meus lábios um sabor salgado que me provoca sede, mas agora me dá uma preguiça de voltar. Molha-me o nariz o mesmo líquido e presumo que fechar os olhos é normal. Fecho-os. No mesmo embalo vão-me os cabelos; perco-os, de tão pesados. É um mergulho. Continuo andando. Eu não luto a meu favor. Lava-me e leva-me, mar.

sábado, 22 de janeiro de 2011

a única coisa que espero de mim

a única coisa que espero de mim
é distância.

vasilha

pela primeira vez na noite estou vazia
não estou plena mas também não tenho preguiça
tenho dificuldade de discernir o que é bom do que é mau
e estou vazia

pela primeira vez fiz tudo o que devia
mais tarde que devia mas também não deixei de fazer
geralmente nem me cobro
essas coisas

estou longe de mim fazendo todo tipo de sacrifício
em vez de cantar eu calo que é pra poder poupar
em vez de berrar eu sussuro que é pra poder poupar
e acabo gastando

mesmo assim estou aqui - vazia como quem não sabe
como quem ainda não descobriu e como quem está nervosa
a ponto de descobrir, quase descobrindo, mas ainda
não descobriu

preciso de um remédio que não vende
- por isso não tomo
então não melhoro -
eu quero uma solução hipocondríaca para esta vaziês

há muito eu não sei o que é olhar para alguém
e realmente me importar.
mas nem isso importa
quando estou vazia.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

duas coisas que venho pensando pela madrugada

#um:

uma menina

ela é do tamanho do seu sonho: um metro
e setenta e sete
ela tem os cabelos como os do seu sonho: curtos e castanhos
ela tem as mãos do seu sonho: grandes e firmes mãos
ela tem fala como a do seu sonho: “estou aqui”
ela tem tamanho mãos cabelos fala
– e não tem
ela não sonha o sonho do seu sonho
o seu sonho sonha com

outra menina

#dois:

escrevo na tentativa de compreender o que é isto que me avassala
que me assalta e me prende tão forte contra a parede de mim mesma [e que não me deixa ir]
peço desculpas a qualquer eu que esteja indo embora
por estar cansada –
mas as outras eu vão ficar

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

do esquisito fato de gostar do ostracismo

É esta a continuidade que tolamente me proponho.

Proponho-me a dar, mesmo sem receber, a estar, mesmo sem me fazer notar, a sonhar, mesmo sem perspectivas de realização, a poetizar, mesmo sem ser lida. A cavar sem areia.