você que já veio e você que está

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quase Alice

Com o lançamento do filme Quase Alice, agora é só de Alice que se fala. Não, é lógico que não. Mas tem-se falado bastante. Isso me remete inevitavelmente à minha infância (quando se é pequeno, costuma-se ter uns dois ou três filmes de desenho preferidos. Eu me lembro de ir à locadora dia sim dia não, alternando sempre Robin Wood e Alice no País das Maravilhas. Pegava um, deixava o outro. Pegava o outro, deixava um. Hoje em dia costumo me perguntar – em voz alta, no dia de sanidade nula, em voz baixa, nos dias de sanidade média, ou mentalmente, nos de sanidade máxima – por que diabos nunca veio à minha mente ou à de minha querida mãe a simples idéia de comprar as tais fitas de uma vez. Sairia incrível, massacrantemente mais barato).
Por inúmeras e incontáveis vezes fiz uso de minha irresistível expressão facial e linguagem tanto agudamente dengosa quanto extremamente persuasiva para que minha babá Tetê (monossílabas repetidas costumam ter essa conotação fofa mesmo) se conformasse em sentar ao meu lado e me fazer um cafuné enquanto era praticamente obrigada a assistir a não-tão-inédita história e se emocionar, rir, assustar-se junto comigo a cada nuance da trama, como se fosse a primeira vez. Tadinha.
Enfim, o assunto é Alice. Pesquisas estão aí para confirmar os possíveis desvios mentais a serem desenvolvidos por uma criança que assistiu à Alice mais do que teve suas fraldas trocadas. Quer dizer, qual é, uma menina que toma um chá aleatório e de repente começa a ver gatos falando, coelhos lhe apressando, baralhos dançando, rainhas de paus botando suas manguinhas de fora e que muda de tamanho conforme a ingestão de um líquido muitíssimo duvidoso não pode ser normal. Já reparou que tudo em Alice é super psicodélico? E mesmo por trás de toda essa atmosfera psicodélica, eu tenho certeza – e ainda vou convencer a todos disso: paira um ar bucólico sinistro! Faces humanas esboçadas em rosas, cobras amarelas fumantes (de maconha), muito do árcade feeling (ou talvez somente na minha louca e desconstruída opinião). Acho sinceramente meio psicopata da parte de uma criança ser viciada em Alice; inclusive acredito firmemente que ter sido fã incondicional da pequenina e despretensiosa loira chapada nos primeiros anos de vida é uma ótima desculpa para um recém transformado adolescente fora-da-lei. Não que eu seja uma: apesar de toda a influência para o lado negro das drogas, do sexo e do rock’n’roll vinda quase que exclusivamente de nossa querida Alicinha (colocando assim, parece uma prostituta infanto-juvenil), eu até que sou bem direitinha. Indiscutível é, mesmo para aqueles de quem o iluminismo nu e cru subiu as cabeças, a subversiva maneira com que os personagens são apresentados, a tendência transgressora em relação ao cotidiano e chato universo de desenhos infantis. Confesso que sempre mantive uma posição muito contrária aos comentários mundiais a respeito da maledicência de filmes como Cinderella, a Branca de Neve, etc. Não creio que haja algo de perverso em tais, ou que alguma mensagem que se tenha desejado passar chegue perto do que as mentes, essas sim, maldosas de cidadãos que não têm mais o que fazer elocubram. Ora bolas, agora uma mocinha perdida na floresta não pode nem mais encontrar uma casa de campo com sete anões na qual possa se abrigar, que ela já é uma prostituta e eles já são os seus objetos sexuais! Mas, Alice, eu concordo. É descaradamente alucinógeno e alucinogenamente descarado (adoro fazer essas inversões, mesmo quando não fazem nenhum sentido)!