você que já veio e você que está

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

entrevista

me sentia bem em não participar dessas coisas. tudo o que eu costumei agradecer na minha vida tinha algum tipo de relação com o fato de eu poder ficar encolhida na minha toca. mas em algum momento a hora chega. tocou a campainha. ajeitei os fios de cabelo que podiam se ajeitar, puxei o sutiã para baixo da blusa e rodei a chave na fechadura. era hora da aporrinhação. abriu-se um sorriso ruivo de mais de trinta dentes e cerca de um metro de altura, seguido de uma vozinha aguda de sotaque indefinido, olá, você que é a yasmin?, bem, você veio até a minha casa, o que você acha?, e então nos sentamos no sofá. o sofá é branco.

- dá licença.
- à vontade.
- nossa, que calor, não é?
- é, sim.
- e você assim, de preto, de manhã, com esse calor!
- ...
- podemos começar a entrevista?
- é claro.
- bem, então vamos lá. aqui é difícil de estacionar, não é?
- parece que é.
- onde você estaciona?
- não tenho carro.
- não tem carro?
- não sei dirigir. 
- autoescola?

eu sentia meus neurônios tendo vontade de me matar por tê-los colocado naquela situação. 

- bem, mas vamos lá. como está sendo, pra você, protagonizar este espetáculo?
- é um prazer e uma honra poder fazer parte de um pro
- desculpa, você teria um copo dágua?
- ...teria.
- eu poderia tomar um copo dágua e ir ao banheiro? rapidinho?
- vai em frente.
- ok. já volto. então, onde estávamos? 
- estava dizendo que é um prazer e uma
- honra...
- participar de um pro
- de um projeto...
- ...
- han, pode falar.
- ...participar de um projeto de tamanha responsabilidade, principalmente pelo fato 
- de que?
- pelo fato de que... desculpa, o que é que eu tava dizendo? 
- você se perdeu?
- é, me perdi.

meu doce, eu sou uma criatura sobrecarregada, está calor, visto preto, são nove da manhã e você está me exigindo um grau de humanidade que a minha condição de zumbi não pode dar conta.

- você pode me lembrar, por favor, do que é que eu estava falando?
- eu também não lembro.
- você não estava prestando atenção no que eu estava falando?
- não, estou gravando tudo.
- como você conseguiu repetir as palavras que eu disse se não sabia do que eu estava falando?
- eu escutei. só não prestei atenção.
- é assim que você costuma fazer entrevistas?
- é, sim. 
- como é que você pode fazer a próxima pergunta sem saber do que eu estava falando?
- você só poderia estar falando da minha pergunta anterior, e aqui nesse papel está indicada a próxima, então não tem erro.
- ...então tá bem. vamos lá. vamos fazer o seguinte, a gente deixa a resposta anterior pra lá e vamos pra próxima pergunta. 
- quantos quilos você precisou emagrecer antes de assinar o contrato?
- ovo. pastel. microondas. liquidificador, pastel, pastel, cores pastéis, camisetas de banda sem manga, megafone, microfone, estátua.
- nossa, não deve ter sido fácil! como é contracenar com um elenco tão poderoso quanto esse?
- escravos de jó jogavam caxangá, tira, bota, deixa o zé pereira ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue-zigue-zá. guerreiros com guerreiros fazem zigue-zigue-zá. 
- um elenco realmente memorável. como tem sido a resposta do público? como você lida com isso? 
- minhas tripas estão se retorcendo só de eu ter que ficar aqui olhando pra essa sua cara de imbecil. espero que esta merda acabe num breve período de tempo. ouve isso aí na sua gravação, sua VACA. with the lights oooout, is less dangerooouuuss. eu quero tchu. eu quero...
- tchá...
- ...tchááá. 
- realmente. os fãs não pensam em outra coisa. ficamos por aqui, então. tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer?
- gostaria extremamente de voltar a dormir e de ficar rica o suficiente para pagar alguém que desse entrevistas escrotas como é o caso desta no meu lugar, e quem quiser tomar no cu está a partir de agora especialmente autorizado. e está aqui o telefone da repórter, pra quem quiser passar trote: 90873432.
- entenderam, não é, meninas? fiquem ligadas nas dicas da yasmin! (desliga o gravador) pronto. acho que temos um ótimo material!
- sem dúvida alguma.
- pode me acompanhar até a porta? 
- certamente.

outras vieram depois. e depois. 
aprendi a gostar.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

GENTE JOGUINHO


é engraçado como a loucura, a extrapolação, a fuga da lei, a fuga da regra, a dificuldade, o desafio exercem fascínio sobre. eis aqui um mundo onde dizer-se o que se sente é sinônimo de virar automaticamente, inclusive em percentual, desinteressante. vamos, escondam, crianças, o que pensam, o que querem, como, quem, quando, onde querem. não contem pra ninguém. o coleguinha da creche que te excitou (palavra feia), mariazinha, não conte pra ele. não seja fácil. não demonstre. não deixe. não permita.

eis aqui um mundo onde não se pode SER, precisa-se mistificar, mitificar-se. é isso - transforme-se num mito, e quem sabe assim. seja misto de mistério, mistério é sedução, mistério é charme, mistério é in. ninguém se interessa pelo óbvio. mas o que de realmente autêntico pode não ser óbvio?, o perfume de uma flor não é óbvio?, as cores de uma bandeira não são óbvias?, que os braços sejam colados aos ombros, isto não é óbvio?, e, por mais que a corriqueirice nos anestesie quanto a grandeza de qualquer desses exemplos, em algum lugar podemos reconhecer o seu valor. 

estou falando de como seres humanos se relacionam a espera de serem, respectivamente, surpreendidos a todo momento pelos demais. veja bem, isso não pode ser. não somos máquinas especias. não somos máquinas mais especiais que outras máquinas. comemos bosta à rodo, nos conformamos por hábito, desenvolvemos rotinas por necessidade de segurança. e, ainda assim, petulante ou inocentemente - seja como for -, nutrimos a vibrante ilusão de que aqueles que queremos que nos surpreendam não comem também a mesma bosta que todo dia mandamos pra dentro.

o negócio é mais simples, estamos convencidos de que nossa própria banalidade é a única banalidade legítima. quem mais for banal, pelo menos assim, tão descaradamente, não merece um segundo de nossa atenção. ó, vida cruel. eis aqui um mundo injusto, vê. não temos paciência para as caras lavadas alheias, queremos é o carnaval alheio - a fantasia, a serpentina, as máscaras alheias. as únicas caras lavadas permitidas?, as nossas.

tudo o que nos interessa é o joguinho. eu não sou diferente. você não é diferente. mas, do jeito que somos pervertidos, contraventorezinhos, já já a própria exceção, o próprio significado que se atribui à irreverência, aquilo que vive nos encantando, nos vai cansar. e o novo in vai ser PREGUIÇA de gente que se distorça. que FINJA uma imagem tal. que OCULTE o que quer que sinta. PREGUIÇA de JOGUINHO.

cara, pode considerar isso uma oração. eu estou considerando.