você que já veio e você que está

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Ciclo

Eu te olhava com a tristeza de quem está só
Sofria na garganta a aflição de um nó e, enquanto reparava na brancura dos seus dentes, esperava, impaciente, o seu último "dó".
O estômago tomado pela mesma agonia que eu não desejaria ao pior dos vilões, uma dor que nem mesmo à pior das dores se poderia fazer menções. Eu temia cada suspiro seu pois sabia próximo o próximo meu, e cada pêlo dos meus braços, num arrepio vazio de esperança, se erguia.
Te via de frente mas te sentia de costas, os seus olhos me fitavam os olhos e, esses, marejados, perdiam as apostas. A seguir, quem dava as costas era eu, morria um pouco a cada passo lento, rumo ao que sabia que seria breu.
Agora, já apenas em companhia de mim mesma, sentia-me pálida e um tanto azeda. Encarava o espelho como que tivesse algo a dizer, feia de uma forma ultrajantemente insolente.
Sentia-me tão forte quanto a mais fraca das criaturas, procurando um norte.
Entorpecida, enfim, afundava a cabeça no felpudo travesseiro, como uma dama, outrora a mais bela, houvera sido esquecida.

Você ia embora levando de mim a melhor parte.
Os sorrisos, os cabelos.
Deixava, apenas, a parte de que eu não fazia a menor questão.
As espinhas, a barriga.
A lamentação.
Já que ia embora, levasse contigo todo o meu amor. Isso, é claro, se você se preocupasse em me poupar de qualquer dor.

Yasmin Gomlevsky