você que já veio e você que está

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

tava numas de começar a vida e ganhar o próprio dinheiro e tal e fui trabalhar naquela merda de salão de beleza, recepcionista. fui avisada sobre o tipo de roupa que eu deveria vestir, pretas, brancas ou pretoebrancas. virava as minhas camisetas de rock ao avesso. um poquinho só de maquiagem. chegar às nove, mas às oito e meia o telefone já estava tocando e "não tinha ninguém lá pra atender, dona Luciana", e então eu tinha que dar um jeito qualquer. no começo era até bem legal, eu me sentava lá e observava as pessoas, observava muito as pessoas, me convencendo de que aquilo poderia ser uma espécie de "laboratório" para o que eu realmente faço da vida, que é subir num palco e de fato ser essas outras pessoas. eu chegava lá e ficava sentada naquele banquinho giratório que não tinha encosto, e lá pra uma da tarde as minhas costas já estavam gritando comigo mais alto que a dona Luciana. não, a dona Luciana não gritava comigo, Yasmin, como vc é bonita, como vc é comunicativa, como vc é inteligente, e as coisas q vc fala são tão legais, e você escreve, também. vc poderia ficar aqui pra sempre. hahaha. e tão talentosa. eles deixavam sintonizado na MixFM ou alguma outra merda do tipo, eu não me lembro bem. sempre que a dona Luciana saía, eu conectava o meu iPod. ramones, sex pistols, clash, queens of the stone age, strokes, joy division, smiths, um salão de beleza no leblon, bem, hoje eu vejo o absurdo disso. foi rápido praquele lugar se tornar o rascunho do inferno pra mim. era uma época sofrida, apaixonada, eu fechava os olhos e ouvia as minhas músicas, as mesmas q eu tinha ouvido perto daquele cara, e agora eu tava presa naquele lugar escroto com a única grande ambição de que o telefone não tocasse. mas tudo bem, eu pensava no final do mês e no que aquilo significaria pra mim. os começos podem não ser tão bemvindos mas são sempre necessários. as bonequinhas logo começavam a reclamar das minhas músicas, mas elas faziam isso à lá judas, sorriam para mim e me davam um tchauzinho e só depois eu recebia telefonemas da dona Luciana dizendo que eu já sabia que não podia tirar da MixFM ou qualquer outra porra daquelas. mas eu tornava a fazer, torcendo para q todas estivessem mais preocupadas com as revistas de fofocas e as fofocas sobre as revistas e me deixassem em paz com a única coisa ali que poderia me deixar em paz, as minhas músicas. só que as reclamações não pararam, e por causa delas comecei a ouvir o iPod com fone de ouvido, de modo q não dava pra ouvir o telefone tocar. e quando ouvia, o combinado era que devia deixar 30min para as mãos e 45 para os pés e, para pés e mãos, uma hora e meia. eu não fazia certo, embolava tudo, mas qual o sentido disso? não conseguia entender. acho que eu era uma péssima funcionária no final das contas, parece que aquilo também me doeu. um dia cheguei lá e um ônibus tinha passado em cima da cabeça de uma velhinha na esquina da bartolomeu mitre. era ali do lado. todo mundo foi lá ver o sangue e com sorte um pouco de carne e órgãos, mas eu fiquei girando de um lado pro outro no meu banquinho e pensando, talvez aquela ali também não estivesse aguentando mais. uma meia hora depois veio a dona Luciana. fazia dias que ela não aparecia no salão e eu tava até começando a me acostumar com aquele tipo de solidão. ela agachou na minha altura e começou de maneira sutil, perguntando se tava tudo bem, eu disse q sim, q estava tudo bem e perguntei por quê, ela disse que achava q não estava tudo bem e aí começou a falar sobre como eu era uma péssima funcionária, mas ela fazia isso à lá judas, dizendo Yasmin, vc é tão bonita, vc é tão comunicativa, vc é tão inteligente, e as coisas q vc fala são tão legais, e você escreve, também, e tão talentosa!, sem nunca ter visto uma porra de peça q eu tenha participado, como ela poderia saber?. isso aqui não é pra vc. eu me levantei frágil e disse coisas horríveis, ela ficou muito muito puta, e eu corri pra ver o cadáver na rua. mas depois, pensando sobre isso sentada na minha cadeira que não se mexe PQ ESCOLHI PARA O MEU QUARTO UMA CADEIRA QUE NÃO SE MEXE, eu me levantei triunfal e pensei, é, essa mulher sabe das coisas.