você que já veio e você que está

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Destino 2

O ônibus devia ter uns quarenta lugares e, fora o do motorista - que, obviamente, para garantir o movimento do automóvel, deveria ter sempre o seu dono - e o do cobrador, o meu era o único ocupado. Já tinha percorrido dois bairros. Chovia intensamente; as janelas estavam cobertas, todas, por neblina. Eu desenhava coisinhas-sem-sentido-ou-graça com o dedo onde a neblina era mais concentrada, enquanto encarava o nada com o sono de quem está preso no trânsito há horas. Laranjeiras. Ia para Laranjeiras, 570. Ou pelo menos tentaria, se Deus e o tempo me ajudassem. Não estavam ajudando. Recostei a cabeça levemente e, antes que pudesse perceber, caí no sono. Um sono frágil, precocemente interrompido por algum barulho externo. Abri os olhos e percebi alguém correndo em direção ao ônibus - era um homem. Devia ter uns vinte e poucos anos, no máximo. Pele e olhos claros, um boné (meio fora de moda) e uma mochila. Foi só no que reparei. Eu, o motorista, o cobrador, os outros trinta e oito lugares e ele. Agora, trinta e sete. Felizmente. Porque ele era lindo. LIN-DO. De morrer. Lindo mesmo, tipo gente de capa de revista. Olhou-me por três segundos inteirinhos. Olhei também um pouco para ele entre os milésimos dessa eternidade. Os meus olhos, na realidade, oscilavam entre olhá-lo e desviar-se do olhar dele. Timidamente, é lógico, afinal, eu! Sentou-se dois bancos à minha frente e de vez em quando eu podia reparar olhadas de rabo de olho em minha direção. Uma cena como que de filme; natural seria ele me observar, afinal, não era todo dia que algo como aquilo poderia acontecer. Poderíamos ter conversado e nos conhecido e nos tornado amigos e namorados e casados e pais e avós e amantes além-vida, fosse aquilo coisa do destino. Mas, não; eram apenas duas pessoas solitárias indo a Laranjeiras numa noite fria.