você que já veio e você que está

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ignore!

As meias furadas dos pés sem sapatos remexiam-se, lentamente, para lá e para cá, enquanto as mãos, ágeis, viravam as páginas, uma a uma, em questão de instantes. As pernas, como que nervosas, balançavam-se com mais pressa do que os olhos liam as linhas. Cada palavra para ele significava um mundo - cada uma palavra, um mundo. E de tantos mundos ele se enchia à cada nova página, que sentia-se quase como que um planeta. Algumas diferenças, porém: o seu sol era negro e a lua era ela. Ele, em vias de certeza, não chorava como um paciente (portador de amor agudo). Não chorava porque sabia-se apenas mais um dentre os milhões, bilhões, trilhões de enfermos internados pela mesma causa no (escuro) hospital do coração - ou, no mínimo, do cérebro restrito ao único pensamento em que se era possível pensar. Havia chovido horrores naquele dia e as poças d'água ocupavam cada milímetro do chão da cidade. À medida em que lia, lia, lia; nela, nela, nela é que pensava. Seria possível que este mal viesse para o bem, ou uma traquinagem do destino o faria, deveras chorar? A dor que se sente, para quem sente é única; para quem assiste é espetáculo; para quem morre é insensível; para quem vive é suportável; para os que amam é mártir; para os que odeiam é amor; para os que viajam é lembrança; para os poetas é inspiração; para quem consola é esperança; para quem esquece é vazio; mas, para quem chora, é dor, apenas. Talvez devesse ele, então, chorar, para sentí-la (a sua dor) somente no limite dela mesma, do essencial. Porque se fosse preciso morrer-se um pouco para viver-se em pleno, qual o mal? Ele não tinha medo do amor; tinha medo é dos amantes. O amor, em si, era algo de maravilhoso - pensava. Era o que, de fato, dava sentido às coisas. E graça. Numa de suas divagações matinais, passou por sua cabeça a seguinte proposição: só é feliz quem é pleno e só é pleno quem é feliz. Mas e daí?