você que já veio e você que está

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Amélia e o outro

Uma senhora de uns cabelinhos já brancos e ralos, mas não tão senhora assim a ponto de ter perdido o senso de moda - ela se vestia como uma lady -, sentava-se numa mesa daquelas quadradas de marfim do Batata Inglesa, no Shopping da Gávea. Em sua frente a bandeija, sobre ela uma batata cujo recheio não deu para ver e algo como uma água com gás (poder afirmar isso com certeza seria um tanto psicopata da minha parte. Eu estava só olhando). Eis que havia ali, no outro lugar da mesa de dois, uma nova bandeja. Ela abriu a garrafa d'água, - pera aí. Na ignorância do nome da criatura, vamos chamá-la de Amélia, porque "ela" já está começando a me irritar - destacou os dois copos que se encaixavam um no outro, colocou um sobre a bandeja do lugar vazio e um sobre a própria. A essa altura, eu imaginava coisas como o fato de Amélia ter um amigo imaginário. Louco, mas um tanto simpático de se imaginar. Amélia despejou cuidadosamente o líquido em ambos os copos. Começando pelo dela, colocou um pouco, passou para o outro, derramou mais um tanto, no dela, de novo, mais um gole, no outro bastante mais e, findando a experiência, deixou cair em seu copo as gotículas finais, como que dando nítida prioridade à outra pessoa. Fez tudo isso como um ritual, prestando atenção à cada detalhe, se preocupando com cada minúcia. Enfim, Amélia cruzou os braços sobre as pernas e atentou o olhar, arregalando as vistas e mexendo a cabeça em direções estratégicas. Eu parecia já ter desvendado tudo e - ah, não se fazem mais esposas como antigamente! Eu estava certa de que não demoraria muito para que chegasse o amor de sua vida, e eu teria o privilégio de testemunhar essa incrível ocasião. Afinal, não poderia ser diferente. Passaram-se uns dois minutos e se sentou à mesa uma outra senhora, ocupando o lugar metodicamente preparado. Olharam-se e sorriram. Esses tempos modernos...