você que já veio e você que está

sábado, 25 de julho de 2009

Do que você se diria se soubesse se escutar

Germana colocou as mãos na cabeça e tudo rodava. Tudo tudo tudo rodava, dos passeios ao shopping à garganta que latejava. Era filho, louça, homem, louca. Louca, louca, louca! O mundo, o que ele queria dela? Ela, o que ela queria do mundo? As meninas que brincavam, ela já não tinha mais o seu viço, os cachorros balançando os seus rabos eram bem mais felizes. Alguma coisa a atormentava e, nem ela, nem essa pobre narradora ousam saber o que seja a tal da coisa. Ela queria chorar e – olha que interessante – ela já não chorava fazia tempo!
- Papai!
Ela gritou por seu pai, o que era estranho, estranhíssimo: o pai houvera morrido já nem sabia mais há quanto tempo. E ela nunca fora tão apegada a ele assim, pra sair gritando papai enquanto rodava.
Agora era ele que ela queria. Ele ele ele. Ela não podia mais ficar em pé, a cabeça, o pai, o pé, a garganta.
O pé doía de ficar em pé.
Ela doía de ficar de pé.
Queria o pai, ela doía e ardia em todas as partes, queria a feira de bonecos de pano que ia aos domingos de trinta anos atrás, queria o Juca e o Felipinho, usar fraldas e tomar na mamadeira, quem sabe. Queria não saber e nem nunca ter ouvido falar na palavra “computador”, queria não ter chegado aos quarenta e cinco na era da internet e da tecnologia, ela não suportava ser quem era, estar onde estava, conhecer o que conhecia. Tudo o que fazia parte de seu mundo lhe era estranho e lhe parecia alheio. Ela não queria fazer parte de si mesma.
Ao que parece, é claro.
Devia ter sido bailarina. Fugido de casa pra ser bailarina – fugisse de casa (tinha um banheirinho na academia de dança em que ela definitivamente poderia ter se ajeitado, com um colchonete)! Não tê-lo feito foi pura covardia. Foi fraqueza que definiu toda uma vida de infelicidade. Ela agora sentia nojo do jaleco. Tinha feito medicina mesmo sem nem poder olhar uma gota de sangue. Que se olhasse, desmaiava. E se desmaiava, o paciente morria. Abertinho, todo descosturado. Já sentia nojo do jaleco e dela. Aquelas mãos conheciam tanto sangue! Já haviam se misturado com ossos, pulmões, veias-cavas. Nojo nojo nojo.
Germana não foi feliz em nenhum momento. Nenhunzinho que fosse. Feliz, a Germana?
Os maridos que ela arrumara tinham sido todos uns inúteis – tudo culpa da mãe dela. A mãe dela era uma vaca, a mãe da Germana.
Germana sempre achou bonito ser grande. Bailarina, pra ela, era grande. Ela queria ter sido bailarina, a Germana.
Agora ela só sabia era rodar com as mãos na cabeça.
Aí ficava rodando, pra tentar imitar as bailarinas.