você que já veio e você que está

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Bolo de noiva ou O atrasado

Observação: há duas noites atrás, sonhei que visitava o blog de uma amiga minha e que nele lia o texto mais genial que eu já havia lido em toda a minha vida. Foi bem esquisito, mas, quando acordei, eu me lembrava de muito do texto, do título e ainda guardava na memória, agora consciente, cada ceninha que em sonho eu tinha visualizado. Bizarro, né? Achei interessante postar o texto, ainda que não seja de nem um décimo da genialidade do "original".
Se chama Bolo de noiva ou O atrasado.

Eu gostaria que ele assumisse uma posição digna pelo menos uma vez na vida. Que assumisse um compromisso e que honrasse com ele. Que. Que. Coisa mesmo de homem, sabe?
Ele não conseguiria.
Marcamos no café.

- Me espere no café anexo ao Clube Militar, minha querida.
- Espero, mas a que horas?
- Não sei.
- Quer que então eu chegue pela manhã e te espere o dia todo?
Ele não era possível. O tom aqui seria sarcástico, não fosse a minha real submissão desesperada.
- Ao meio dia está bom?

Ao meio dia estaria ótimo, caso ele tivesse aparecido ao meio dia.
Ele sempre quis ter filhos.
Eu nunca quis ter filhos.
Filhos para nós representariam um enorme problema.
Quando eu estivesse grávida, tudo seria maravilhoso, ele me encheria de mimos, presentes, beijos e atenções. Quando, porém, o bebê nascesse ele nem perceberia a minha existência. E eu não agüentaria isso.
Eu não agüentaria o fato de ter que dividir o amor dele com mais alguém.
Ninguém.

Ao primeiro minuto depois do meio dia eu já havia ligado umas quinhentas e vinte vezes para o celular dele que, como de costume, estava fora de área. Saí do café enfurecida, com algumas lágrimas no rosto rubro de ódio, trocando as pernas rápida e desengonçadamente.
Abri minha bolsinha de mão e alcancei a caixa de comprimidos de prata. Num ímpeto violentíssimo, tomei quatro comprimidos. Aquilo não foi o suficiente para me matar – eu não daria a ele esse gosto -, até porque não era a intenção.
Apenas enlouqueci. Eu não sei se esse efeito é comum. Mas, de fato, comigo aconteceu.

Algumas horas passaram-se. Eu, trancada em um banheiro do vestiário do clube. Completamente fora de mim. Não que eu dentro de mim fosse qualquer coisa melhor. Vestida de noiva. Batidas desesperadas à porta. Surrealmente fortes. Um pouco mais fortes e a quebrariam.

- É você? Abra!
- Os meninos. Você precisa arranjar lírios.
- Como? Abra a porta!
- Lírios. Não se esqueça, é muito importante.
- Do que você está falando? Está maluca?
- São parte fundamental do casamento! E você se atrasou por quê?
- Casamento? Ora, pois...
- Pois, pois, pois, pois, pois! Estou cansada, vou dormir. Dorme, neném do meu coração. Eu gosto de ninar a mim mesma. Você poderia fazer isso às vezes.
- Mas do que é que...
- Querido, me escute. Os meninos. Os meninos serão lindos. Mas não antes dos lírios.
- Meu Deus! Alguém socorra! Alguém, aqui, ajuda! A mulher está completamente louca.
- Olha só como é engraçado. Tudo – eu disse t u d o -, tudo poderia ser evitado, caso você tivesse chegado ao meio dia. Mas do que um meio dia é capaz, han?
- Eu cheguei apenas dez minutos atrasado!
- Você não ia vir. Você só veio porque descobriu que eu tinha fugido para Cuba.
- Cuba? Ai, minha santa...
- E o casamento?
- Bem, eu não sei, estou muito confuso, você quer se casar?
- Ah, se quero! E então eu não te amo mais do que tudo na minha vidinha?
- Então, tudo bem. Mas antes saia daí.
- Mas antes os lírios! Traga-os até mim. Eu não poderei oficializar o casório até que tenha em mãos os meus lindos lírios. Mas não podem ser lindos demais. Tem que ser apenas bem bonitos. Porque se lindos, ofuscarão a beleza dos meninos.
- E que meninos são esses? Você não quer abrir...?
- Os nossos filhos, ora, que meninos!
- Jura? Você, meu amor, você fala sério?
- Falo transparente! Quero te dar lindos dois.
- Ah, mas como isso é maravilhoso! É a mulher da minha vida! Vamos ser felizes para sempre, meu amor. Agora é hora de sair daí, que eu não me agüento de felicidade!
- Vá buscar os meus lírios.

Ele partiu em busca de lírios, pois havia enfim compreendido que de lá eu não sairia nem à força, a menos que me dessem os meus lírios. Obsessão besta de quem está ou é doido da cabeça. Ele queria os filhos, o casamento. Ele queria a mim. Queria nada! Tudo mentira bem contada! A mim ele só enganara, como sempre. Desonrando horários, atrasando-se. Atrasava-se mais do que à compromissos. Atrasava-se à minha vida. Se ele pensava que eu seria dele como um escravo é de seu senhor de engenho, como um cão é de seu dono, ele muito se enganava. Ah, mas muito! Eu nunca mais iria vê-lo, e já o tinha em mente. Eu não queria mais saber de nós. Que fôssemos para o inferno, nós! Saí correndo desenfreada daquele banheiro para qualquer lugar tido como longe.
Sumi. Ele queria os filhos, o casamento, não queria? Chegasse ao meio dia.