você que já veio e você que está

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Podemos conversar ou Lápis de cera

- Podemos conversar?

- Malditos de nós que, como primeiro erro, fomos inventar de nos comunicar através da fala. Isso, cá entre nós – essas conversas – são um inferno. Entendi quando me disseste ‘tchau’. Ouvi com calma, ainda que tremessem-me as pernas de modo a quase não me permitirem a permanência sobre os pés. E me doía por dentro tanto quanto a boca minha não poderia pronunciar nenhuma palavra, fazendo o meu cérebro temer que este efeito se prolongasse para sempre. Isso seria trágico, afinal, eu sempre adorei falar. Eu simplesmente não conseguia, era mais forte do que eu, o que não era difícil, sendo ou estando eu tão fraca. E francamente, eu não creio que você tenha errado. Peço desculpas pelo tempo em que não compreendi os seus motivos. Agora os compreendo inteiramente. Espero que me olhes ainda com os olhos de antes, os sutis e leves olhos que me olhavam com um brilho de ternura, que eu nunca vi coisa igual. Sou honesta quando digo que te amo, e mesmo que não seja da forma que amei um dia, isso é só porque o tempo se encarrega de desfazer esses sentimentos a toda hora, mesmo. Inda bem, não é? É natural, nada pessoal. Mas se continuássemos andando por aí de mãos dadas, o meu sentimento por ti certamente ainda perduraria. E por muito tempo, anos, quem sabe. Infeliz do destino, se é que ele existe, com essa cisma de interromper. Infelizes de nós - não digo eu e você, mas nós - humanos, que nos permitimos negligenciar a beleza do sentimento que nos bate a porta: o amor. Fechamos os olhos para a sua existência, como que ele fosse voltar duas ou três semanas depois. Como que pudéssemos dar-lhe férias, com a certeza de ele retornaria intacto, bonito da mesma forma, pleno como outrora. Mas não é assim. É pura ilusão acharmos que dessa forma, também, conseguiremos ser mais felizes. Babaquice, eu diria. É impressionantemente burro de nossa parte – mais uma vez, generalizo em torno dos humanos. Malditos de nós que, como primeiro erro, fomos inventar de nos comunicar através da fala. Tudo seria tão mais fácil através de lápis de cera! Imagina, tu ias desenhar dois bonecos palito cor de rosa, tá?, um de saia e laço na cabeça e um peladinho, que seriam ela e você, respectivamente. Próximos um do outro o suficiente para que desse a entender que aquilo era um casal. E aí você pegaria o lápis preto e desenharia um terceiro boneco, também de saia, mas sem laço algum no cabelo, cuja posição fosse algo semelhante a um ataque aos dois primeiros. E isso seria a sua belíssima representação de como você não me quer mais e está total e completamente me dando um pé na bunda! Mas não seria mesmo maravilhoso? Eu, neste momento, entenderia e sairia andando. Triste ou não, puta ou não, tanto faria, eu não saberia reclamar mesmo. O máximo que talvez e, muito talvez, eu fizesse, seria desenhar um coração vermelho entre o segundo e o terceiro bonecos e rabiscar um xis no primeiro. Mas também não adiantaria, já que você rasgaria o meu desenho. E eu me sentiria o mesmo lixo que me senti quando tu me disseste tchau. Pensando bem, acho que não ia adiantar muita coisa. Podemos conversar.