você que já veio e você que está

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Rivaldo saia desse lago


Eu disse uma, disse duas, disse três vezes:
- Rivaldo, saia desse lago.

O menino não saia, o menino deu pra se enfiar no lago e não sair mais, agora. Ele está com essa cisma. Outro dia chegou em casa com uma asa entre os dentes.
Eu disse:
- O que é isso, menino?
O menino me disse na maior naturalidade:
- Asa de mosca, mamãe.
- Asa de mosca, ô menino? Foi isso mesmo que eu ouvi, o que você falou? Deixe eu ver isso cá. Virgem santa. É asa e é de mosca mesmo. Mas tu não tem nojo não, hein?
- A mãe tem nojo de rapadura?
- Rapadura é um negócio, asa de mosca é outro. Outro negócio bastante do nojento.
- Mas a mãe, se tivesse nojo de rapadura, comia? Não comia. Eu se tivesse nojo mosca, não comia. Não tenho, por isso como.
- Mas o que está aí é a asa! Se fosse a mosca eu entendia. Mas a asa?
- É que a asa ficou presa no dente. A mosca mesmo eu comi, já.
- Comeste a mosca?!
- A mãe não disse que entendia?
- Entendia se estivesse de molecagem! E se agora isso dá náusea?
- Dá não.
- Como é que tu sabe, ô menino?
- Que eu já comi muito disso.
- Como é que é?
- Comi, ué.
- Virgem santa! A senhora me traduza! Se isso for mensagem de Deus, a senhora me traduza! Que estou prestes a um desmaio!
- A mãe vai desmaiar? É providente eu já ir chamando a ambulância?
- Está doidinho para ver tua mãe entrevada numa cama de hospital, não é, seu moleque?
-Melhor que ver a mãe mortinha no chão!
- Como é que é?
- Que se eu chamo agora e a mãe ainda não desmaiou, a ambulância chegando em dez minutos, dá tempo de ela já ter desmaiado e não demora tanto a ponto de já ter morrido!
- É uma boa matemática. Ligue aí. Espere, Rivaldo!
- Mais um bocado? A mãe ainda não está vendo tudo branco?
- Pare de lezeira, menino retardado. Vá escovar os dentes que está com bafo de mosca, e, depois que acabar, você vai escrever vinte e sete vezes no papel que não vai comer mais moscas.
- Escrever que não vou comer mais moscas?
- Pois sim.
- E no que isso vai ter adianto, mãe?
- Que assim tu vai aprender o negócio.
- Vou aprender a escrever, mas comer, eu vou continuar comendo. Eu vou é arrumar uma tendinite. Vou ter que ir para o hospital e a conta quem terá que pagar será a senhora minha mãe.
- Ah é, mesmo, engraçadinho? E quem foi que disse isso?
- Copiei de ninguém não.
- Como é que é?
- Eu é que disse mesmo.
- Pois eu digo que não vai a hospital nenhum. E que se for, eu não dou um centavo, nem entro...
- Isso não vai ter como, mãe.
- E por que é isso?
- Porque eu tenho doze anos. Se eu entro no hospital sem mãe, perguntam cadê a mãe, se eu minto e digo que não tenho mãe, paro num juizado de menores.
- E ainda não foi escovar o dente por causa de quê?
- Por causa da senhora minha mãe que está conversando comigo.
- Em falar nisso, acho bom dizer logo para o seu pai que não é mais preciso comprar de comer para você. Que agora o seu negócio é mosca.
- Obrigado, mãe.
- Obrigado?
- Foi isso que eu falei, foi não?
- Obrigado pelo quê? Menino agora agradece castigo?
- Castigo por causa de quê?
- Ouviu que agora só vai poder comer mosca não?
- Se não ouvi!
- E não está deprimido? Vai passar fome, menino. Fica deprimido.
- Mosca é suprimento. Deixa passar fome não. E é uma gostosura, é crocante por fora e macia por dentro, a combinação perfeita de sabores, devia era ser a próxima tendência culinária.
- E é bom assim isso aí, mesmo, é?
- Se é! E muito nutritivo.
- De certo isto avalora.
- Valoriza, mãe.
- Pois foi o que eu disse, avaloriza.
- E ainda por cima diz que faz bem pro cabelo.
- Pro cabelo, é?
- Diz que é melhor que babosa.
- Diz, é?
- E que as unhas não quebram mas nem se a gente quiser cortar.
- Fica forte assim, é?
- Ô, se fica!
- E nesse lago aí que você se enfia tem bastante mosca, é?
- Se tem!
- E os sapos não ficam danados de você roubar as moscas deles, não?
- Ficam nada. Tem mosca pra todo mundo.
- E tem pra mim, tem?