você que já veio e você que está

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Rica e rara

Olhei-te pela janela
Não mais em mim
Tu:
Já nela

A dor fosca que me causaste
Insisto em senti-la
Brilho, já tens o dela
Cujo dente em sorriso cintila

Não confunda o simples com o simplório

Eu estive pensando sobre isso: os poetas passam a vida a pesquisar dentro de si mesmos algo de mágico para ser dito e escrito, algo de novo e impensado, a filosofia pura, em sua essência, a coisa mais bonita e mais incrível que um leitor encontrará dentre tudo o que ler. Perdidos nessa busca interminável pelo impossível, deixam de notar que não existe nada mais poético do que a palavra "ovo"

sábado, 26 de setembro de 2009

Rio 2000 (Poderia acontecer ali ou) aqui

Nos ônibus existem bastantes dessas coisas. É como quando você se pega sentado olhando para o nada através do vidro da janela, chacoalhando de quando em vez, numa curva ou noutra.
Costumam entrar mais pessoas do que sair. Isso certamente incomoda menos quando você é uma das pessoas que está entrando do que quando é uma das que já estava lá dentro.
Foi num desses fluxos contínuos que entrou uma moça de nariz fino, pele branca e olhos castanhos claros. Uma aparência um tanto burguesa. Mas eu só reparei nisso porque ela se sentou em frente ao vidro que separa os assentos preferenciais dos comuns, de modo que dava para ver o seu rosto mesmo que estivesse de costas. Esse era um de meus dias mais desleixados, o que me suscitou certa vergonha. Eu estava de chinelos, bermuda e uma blusa um tanto quanto surrada. Também me pegara no mesmo dia um mau humor expressivo. Olhei-me pelo reflexo ao meu lado, na janela, e percebi que estava um lixo. Eu sempre alimentei a estranha pressão interna sobre mim mesmo em relação a prestar satisfações a estranhos.
Ela olhou para mim algumas dezenas de vezes. Ora para mim, ora para frente. Nunca para nenhuma outra coisa.
Fiquei imaginando o que poderia ser: ou eu era totalmente irresistível, ou ela tinha TOC.
À medida que as pessoas iam passando pela roleta e caminhando até algum banco vago, ela acompanhava-as com a visão – mas somente para disfarçar, afinal, acabava sempre lançando olhares a mim.
Eu era totalmente irresistível.
A única diferença entre olhares fascinados genéricos e o dela era o fato das suas sobrancelhas se levantarem de uma forma meio esquisita e de seus olhos se esbugalharem um pouco, quando me viam.
Mas a paixão pode tomar diversas formas, mesmo essas, meio esquisitas.
Ela trocou de lugar. Sentou-se do outro lado do ônibus. Baixou a cabeça um pouco. Não era mais possível ver seus olhos ou para o que olhava. Ela, porém, continuava virando-se para trás com certa freqüência. Com a mesma expressão assustada. O Rio de Janeiro costuma ser um bom lugar para uma mulher olhar esquisito para um homem mal vestido e mal encarado.
Ou eu era totalmente irresistível ou ela estava pensando que eu era um assaltante.
Isso me deixou confuso. Ela me admirava, era obsessiva compulsiva ou estava com medo de ser assaltada?
Estranho era, para mim, pensar desse jeito, porque afinal eu sou uma pessoa instruída, de estudo, de posição e de família. Assaltar não se encaixava em meus horários, tampouco em minhas ambições pessoais.
Entretanto, ela me olhava de uma forma tão continua, tão padecedora. Quase uma súplica. Às vezes nós nos percebemos obrigados a nos render a uma situação que não havíamos planejado, ou para a qual não nos tínhamos preparado psicológica ou fisicamente.
Resolvi que o melhor era deixar que a natureza agisse por si própria e que não interrompêssemos o seu fluxo ou nos freássemos contra a sua vontade. Afinal, nós, enquanto criaturas divinas, para nada existimos senão para servir aos Seus mandamentos.
Levantei-me, caminhei até ela e disse da maneira mais desinibida que consegui:
- Isso é um assalto.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

De Platões e simpatizantes


De ti
Só amei
A parte que
Não conheci

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Ao desespero

Outrora quando usava
De maneiras e modos para
Escolher palavra
A escolhida tinha que ser tão doce que
Não ferisse
Palavra menos nua e mais crua se
Não quisesse
Magoar a ti
E não queria
Por isso eu dizia
Menos o que pensava e mais aquilo que um dia
Bem ou mal cessa
Não fosse
A pressa da compressa
De quem comprime
Pois faz promessa
De adoecer
Se eu não ceder
E desvirar de costas
E seu prometer
É não sair das fossas
E apesar
De pouco eu me lixar
Espero que compreender possas:
Dói
Dói no peito dum antigo amante
Quando vê que agora errante
É aquele antigo amado
Sente então no peito o fardo
De quem mata sem a faca
Mas atira
Mesmo fraca
Ou sem mira
E não se põe
Mais a dormir
Pois se vira
A noite toda
Procurando posição
Que não desperte o pesadelo
Desperte do pesadelo
Pesado o elo
Que se faz
Quando alguém fugaz
Com ou sem esmero -
Sem, lembrando, só tendo talento -
Te traz
Ao desespero

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

"Você precisa de ajuda, Yasmin"

Grita:

- Eu te amo.

Tapa a própria boca com qualquer mão. Olha para um lado e vê três amigas de braços dados, uma madame de sacola no ombro e umas outras nove mil pessoas. Resolve não olhar para o outro.

- Eu te amo, porra.

Pensa ‘que merda’. Pensa ‘o que, caralho, eu estou fazendo?’. Pensa ‘eu te amo eu te amo eu te amo’. Grita mais alto:

- Eu te amo!

Pensa ‘ok’. Tapa a própria boca com as duas mãos. Tenta correr para a direita. A senhorinha que assistia emocionada à cena dá-lhe uma bengalada empurrando-o de volta para o topo do banco. Esquiva-se. Tenta correr para a esquerda. Tropeça em três bebês e uma babá. Volta à posição inicial sem nenhum querer. Chega enroscado. Vai-se desembrulhando. Quando vê:

- Repete.

Pensa ‘puta que me pariu’. Pensa ‘coitada de mamãe’. Pensa ‘puto, Deus, seu puto’. Pensa ‘eu te amo eu te amo eu te amo’. Grita mais alto ainda:

- Eu te amo!!

Esconde o pênis. Olha para a mão que esconde o pênis. Sente uma bengalada nas costas e é empurrado à frente. É obrigado a levantar a cabeça. Encara Rosamaria.

- Repete, eu pedi.

Não diz nada. Olha para a barriga. Tenta se comunicar com o estômago. Nada. Fecha os olhos. Olha para dentro de si. Muita coisa. Não está em condições de escolher palavras. Não escolhe. Fica calado.

- Hein.

Olha em volta. As nove mil e outras pessoas gemem o mais alto que dá “repete repete repete”. Pensa ‘que foi que eu fiz’. Olha para Rosamaria. Diz que há flores saindo de seus ouvidos. Todos param para ver. Foge.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

part-ida


em vez de chorar você ri
você ri pois não chora ou não chora pois ri
seja lá como for você ri

ele vai você olha
dele cai lagrima você nem vê vira você anda
ele ri de nervoso
você nervosa você ri de novo

ele para anda um pouco mais e para
você anda para um pouco mais e para
de olhar pra trás
ele vira a cabeça você também

só que depois pois assim
um não sabe d’outro
assim, pois, é bom

que mortes tranqüilas os adeus sem despedidas!

no agora
só o que so(m)bra
é a tua solidão
sentada ao lado
da so(m)bra dele