você que já veio e você que está

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Não creias em uma palavra

É pena os astros me terem abandonado, quando tanto eu ainda tinha para a eles mostrar.

Queria-te comigo, aqui, agora. Queria-te comigo a toda hora e hei de te continuar querendo, pois ainda que tenham ido embora, esses, os mesmos atros, não me deixam te deixar de querer. Queria que reconhecesses o quanto te quero. Queria que assumisses ou mesmo admitisses que ainda me queres. Queria não te querer. Queria não te querer, já que te querer é deixar de me querer. E talvez eu agora já nem me queira tanto assim... porque te quero.

E a lua atrás dos seus cabelos ficou de um esbranquiçado arrebatador.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Assimetria

Quiseram-te levar, gritaste por alguém
Vieram?
Deixaram-te para lá, entregue ao luar
Com a roupa que vestia
E gritaste em companhia
Do mar
As ondas, o barulho
O cheiro, a doce brisa
Vestias uma sainha rodada
Sentias-te sozinha
E um tanto mais bonita e alentada
Foi quando ali surgiu uma espada
E tu, calada, abaixaste para ver o que é que era
Nada demais lhe parecia, ferro em objeto
Pegaste em tuas mãos, olharas mais de perto
Pulaste para trás, que de dentro saltou uma fera
Perguntaste nome dela, disse a ti que não falava
Mas como poderia ter te dito se tua boca não pronunciava?
E o que era de dar graça era a tua falcatrua
Nem a ti nem ao bichano enganaste afinal
A rua, que era tua, a fera, o animal
Era tudo brincadeira de um sonho
De quem já adormeceu
E ainda não despertou
Da noite que trouxe o sono

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Luana

É tida como sempre a mais bela
Formosa donzela
Insana

É moça por demais veemente
De tão envolvente
Humana

Inveja é de que é rondada
Pelas tantas despeitadas
Fulana

Mas ergue o queixo e se vai
Em sua altivez ela sai
Bacana

Pois sabe que o mundo a adora
Apesar das vulgares de outrora
Luana

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Maria Belém

Essa é mulher de bem
Marido antigo, filhos, um par
Sobrenome, ela também tem
Mas é de Maria que vamos chamar
Amigos, não tantos
Falar, quase nada
Tomava para si até mesmo os prantos
Que a pudessem ferir como a uma escrava
Nunca abrira de fato um sorriso
Talvez que tampouco conhecesse alegria
Seus sons mais comuns eram todos gritos
De dor ou apenas de platônica nostalgia
Mas acima de tudo, não se pode negar
Que embora sem mesmo no bolso um vintém
Nunca se houvera deixado de falar
De tão ilustre Maria Belém

Vanessa

Deixe que a noite escureça
E uma nuvem espessa o venha encharcar

Deixe que se entonteça
Titubeie e desfaleça, que ele há de acordar

Terá o que por bem mereça
E quem sabe adoeça por tanto penar

Chegar-lhe-á até a condessa
E, de forma travessa, o provocará

Ele, as mãos na cabeça,
Dirá que não se entristeça, mas que não poderá

Pois ela não o deixa que esqueça
Essa tal de Vanessa, em quem ele só faz pensar

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Apaixonar-se

O louco de se estar apaixonado
É que se fica louco quando se está apaixonado
Perde-se a hora e o agora
Na pressa, já foi embora e não é mais
E mais: o estômago revira
O barulho é como que de uma festa
Mal se respira
Ou respira-se apenas o ar que o outro empresta
É tudo sempre muito parecido
Ainda assim, não deixa de ser bonito
Mas não se deixe levar pela emoção,
Ela é tão previsível quanto uma gota negra num pote de feijão
É quando alguém finalmente gosta de você
Mesmo você sendo você, mesmo que só por este enquanto
É um delicioso encanto
Posto que é chama, apagar-se-á
Mas o homem sempre que vivo se apaixonará

Yasmin Gomlevsky

sábado, 4 de outubro de 2008

Quer saber?

A coisa vai muito além
De escrever para quem
Um dia fez poesia
Para outro alguém

Foi antes que a outrem
Você chamava de meu bem
Mas poderia a nostalgia
Ter te feito um refém

Tudo o que eu aqui disser vai ser cliché
Como uma carta de amor do apaixonado
A cor verde do gramado
O grito de quem fez um machucado

O fato é que sem ti é tudo branco e preto
Não sei bem o nome disso, mas me sinto ao avesso
É como que sob meus pés desaparecesse o chão
É uma certeza incerta do meu coração

É demasiado forte para ser um engano
É bem mais belo que um sentimento cotidiano
É algo além da força do humano

O que sinto por ti,...

(...)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Foi então que resolvi parar para refletir. Na minha reza diária, que faço antes de dormir, peço sempre e invariavelmente "felicidade". Seria justo que, num mundo de sei lá quantas bilhões de pessoas, toda a felicidade fosse minha? E, se fosse, o que teria eu feito para merecê-la tanto assim? Chego a respostas completamente nulas. Não sei. Não sei mesmo, e é engraçado porque, geralmente, eu costumo saber das coisas. Saber não de ser sabe-tudo, mas de ter uma opinião formada sobre tudo. Uma idéia, uma forma, uma concepção sobre tudo. "Eu prefiro ter aquela velha opinião formada sobre tudo do que ser uma metamorfose ambulante". O fato é: você nasce, cresce, vê as coisas se transformando a sua volta, entende algumas, outras simplesmente ignora, enquanto terceiras mais se parecem com mistérios insolúveis. Indubitavelmente, esse dia vai chegar para você também, amigo. O dia em que a única resposta para toda e qualquer pergunta que possa surgir proveniente de dúvida é: não sei. Pode soar frustrante. Mas é humano, é puro, é essencial ao rumo da sociedade. Porque ela está indo a algum lugar, não está? É normal - seja lá o que normal for. Seria realmente delicioso que todas as respostas eclodissem como que do nada de dentro do peito de cada um, como pássaros ligeiros. Ou será que não seria? Conformar... conformar. É... meio louco isso de ficar pensando sobre as coisas, como se pensar sobre elas fosse resolvê-las ou de fato adiantar de algo. Não vai. Mas isso não é motivo suficiente para me convencer de que não vale a pena remoe-las. E obrigada por perder dois minutos do seu tempo, pensando, aqui, comigo. Já acabei, agora vai dar uma olhada naquele arroz que você deixou no fogo...

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Gatos no Telhado

Estavam dois gatos em cima do muro, em um local que achavam seguro.
Andaram quietos pra lá e pra cá, pois qualquer barulho iriam escutar.
Já não aguentavam viver como gatos, queriam pés para pôr sapatos.
Haviam decidido que iriam pular e, quando acordassem, humanos virar.
Tomaram coragem, contaram até três, vamos logo com isso de uma só vez.
Abriram os olhos e nada tinha acontecido, será que os dois já haviam morrido?
Então levantaram-se para descobrir, e ainda tinham patas para onde quisessem ir.
Nem humanos e nem mortos afinal, o primeiro se perguntou se ele era imortal.
O segundo entendeu o que havia sucedido, pôs se a chorar e deu um grito:
- "Somos gatinhos e gatinhos vamos permanescer, nem que tentemos mudar isso, somos gatinhos até morrer!"
O primeiro respondeu, meio que sem compreender o amigo seu:
- "Mas se somos gatinhos até morrer, por que pulamos e não morremos? Ou não pulamos direito ou nem morrer nós sabemos!"
E então, como um furacão, veio a solução:
- "Agora já entendo porque é que estamos bem: é que nós somos gatinhos, e sete vidas os gatinhos têm"

Yasmin Gomlevsky

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

- meu amor, seja sincero, você acha que eu to gorda ?
- gorda? Que isso, você ta maravilhosa! Aliás, você é maravilhosa, do jeito que você é!
- do jeito que eu sou? Como assim “do jeito que eu sou”? quer dizer então que eu não to magra?
- não, eu não disse isso. Você ta linda. Aliás, eu até ia te perguntar... você ta fazendo dieta?
- eu? Ah, to fazendo aquela dieta do brócolis, alface, rúcula, alcachofra... como tudo menos isso! Ai, mas meu amor, eu creio que Deus há de me ajudar a emagrecer!
- É, eu não acredito muito em Deus, mas que ele existe, existe.
- que é isso, meu amor! Deus está em toda a parte!
- isso não quer dizer nada, a coca-cola também está e nem por isso você emagrece.
- Hahá, o palhaço se manifestou.
- ah, não briga comigo por causa de Deus não, meu amor! Olha, eu até trouxe um chocolatinho pra você!
- chocolatinho? Você está louco! Chocolate é um minuto na boca e a vida toda nos quadris. Dispenso, isso vicia e aí depois pra desviciar é um problema.
- mas que isso! Claro que não! Eu como chocolate há anos e nunca me viciei!
- ah, então só pode ser Deus que está te salvando! Lembre-se: Deus é brasileiro e não desiste nunca!
- Deus, brasileiro? Meu amor, Deus é português, o diabo é que é Brasileiro.
- ah, mas hoje você ta que ta hein? Impossível de conversar, né? Olha, eu vou dormir, ta bom? Boa noite. E quer saber? Hoje você dorme no quarto da Estelinha.
(Aparece Estelinha)
- O quê? No meu quarto, não, mãe! O papai ronca muito!
- estelinha, isso é normal! Quem nunca teve um pai que ronca não sabe o que é ter um pai!
- ai, mãe, eu não sei como você agüenta dormir com o papai todo dia! Parece que ta dormindo do lado de uma furadeira ligada na tomada!
- meu amor, você se acostuma com isso! E olha que algumas mulheres até tem isso em comum com os seus maridos, não é verdade?
- eu, hein! Se eu fosse você e fosse casada com o papai, a única coisa que teríamos em comum seria o dinheiro dele.
- ih, olha essa menina como já está, marco Antônio! Culpa tua! Vai dormir, estelinha, que Deus ajuda a quem cedo madruga.
(Estelinha acerta o despertador)
- ajuda...? 5 da manhã! Amanhã Deus vai ter muito o que fazer!


Yasmin Gomlevsky

Boa Estrada

- vai.
- vai onde?
- vai embora, vai pronde quiser. Tua cara já me enjoa, tua conversa é estulta. Vai logo, homem de Deus.
- não dá, estou preso a ti quase como um estribo preso à cela. Meu amor, eu abnego a tudo pra ficar contigo. Não deixa que eu suma na poeira, que aí nunca mais vai me ver novamente.
- quem me dera que tal proeza fosse verdade. A última coisa que quero é prosseguir a ver-te a toda hora, a hora toda. Vai que te peço, encarecida.
- tu és áspera nas palavras mas sei bem que teu coração anseia pela minha presença. Não vou a lugar algum.
- veja bem se entende o português, homem. Estou a te dizer alto e claro que não te quero, mas se não quiser ouvir, o problema é todinho seu. Você já foi alguém para mim, mas hoje não significa nada. E saiba também que não é nem um tantinho eloqüente.
- não quero ser nada além de teu. Nunca fui um titã, nem pretendo ser. Quantas vezes quer que repita que não quero ser nada além de teu?
- pois vai ficar a querer. Anda, vai embora que não te quero mais. Minha paciência está no apogeu do Everest e sua insistência é o estopim.
- se você continuar por assim inatacável, terei que ir embora de verdade. Meu
coração não vai suportar tremenda sofreguidão.
- pois agora é que continuo. Aliás, saiba que nem comecei ainda.
- pois agora é que não vou. Meus pés estão tão plantados quanto duas bananeiras neste chão ingrato como a dona.
- fique sabendo que sou inapelável, vá gastando tua saliva que só perde. É bom que assim poupa outras pobres moças desse seu beijo.
- e agora reclama do meu beijo? Ele nunca te incomodou, pelo contrário. Bem que gostava quando te beijava.
- pois ele sempre me incomodou. Burra que sou, aceitava sua peleja diária: “beija-me, beija-me que tu não perdes por beijar”- e beijava.
- e perdia?
- nossa, e como. Pois, vá-se agora, vá-se embora que tenho que fazer mercado e marcar depilação e tu mais uma vez só atrasas minha vida.
- se for, você vai se arrepender e isso é certo. Mas saiba que sou seu eterno epílogo e sem ti minha vida reduz-se ao menor dos nadas. Meu coração chega que fica desconcertado só de pensar que tu não queres mais meu amor.
- deixe de lero que sei bem que tu não me amas coisíssima nenhuma. E vá de retro, que não te quero mesmo, não.
- se é assim que quer, vou deixar de tanta reluta. Mas se sentir saudade, olha pra cima que eu vou estar fazendo o mesmo, admirando tua beleza através de alguma estrela.
- só cuidado para não apontar pra nenhuma delas e ficar que nem maracujá, todo enrugado, hein, cabra. Vá com Deus e boa estrada.
- se quer que vá com Deus, tem que vir comigo. Tem que vir comigo porque para mim, tu és Deus, mais que Deus, és...
- não fala coisa dessas, homem, que Deus não vai se agradar disto.
- que me importa se Ele quiser tirar-me a vida, se sem ti, eu sou como vegetal que só respira porque oxigênio não há de faltar nesta terra?
- está deixando-me encabulada com essa tua conversa. Pare de agir como criança, pois sabe que não te pertenço mais.
- já me faltam palavras para te convencer. Tentei de tudo, mas tudo não basta para ti, não é, Maria?
- não é questão de bastar. Eu não te amo, eu não te quero, faça-me um favor e vá embora de uma vez, homem?
- e é assim, agora? Usa-me como chiclete, que é gostoso ao mascar, mas quando perde o gosto é jogado fora? Não estou reconhecendo você, Maria. Ah, que desgosto!
- e tu, pares de drama, seu João! Trate de arrumar suas trouxas e pegar a estrada.
- mas, Maria...
- nem mas em meio mas, vá com Deus e boa estrada.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Há quem contradiga, mas eu digo: o medo é uma coisa maravilhosa. Essa vida traz um montão de coisas boas, e umas duas ou três maravilhosas. O medo é algo com o que se tem que aprender a lidar, é algo que se precisa saber tratar como frutífero, em vez de malígno. O medo não é um sentimento singular. Quando vem, não vem sozinho. Vem com a vergonha, com a aflição, com o nervosismo, com o desconhecido. O medo vem com o desconhecido. E com tudo isso, vem a vontade. Esse medinho de cinco minutos antes é o mais gostoso. Cinco minutos antes de entrar em cena, cinco minutos antes de chegar na festa, cinco minutos antes. Tem o medo da bronca. O medo da nota baixa, de chegar atrasado, o medo das coisas mais banais como uma barata até as que são fatalmente dignas dele: o medo da perda. É o medo o grande motor de todos os outros sentimentos humanos. É ele que evoca as mais puras e insanas sensações, que permite que se prove os sabores mais amargos e também os mais doces. É a partir do medo, e somente dele, que uma pessoa realmente se conhece. Que ela passa a se conhecer, ou melhor, a se reconhecer. Reconhece-se não como achava que era ou que seria ou que gostaria de ser ou da forma que fosse, mas como essencialmente é. O medo guarda dentro de alguém o que este tem de mais precioso. E faz com que isso exploda na hora e no momento exatos. O medo traz circunstâncias em que se vê perdido mas logo acha-se. Essencial é para o homem o medo de si.

Yasmin Gomlevsky

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Adolescer

Não quero viver pra sempre, sair voando, morar no Havaí. Não quero status, grana, marido, crianças. Não quero ser invisível, passiva, possível nem impossível. Não quero um carrão, viagens, aquele falso sorriso estampado, lado a lado. Não quero viver só por viver, só porque me mandaram, só porque eu não escolhi e, mesmo assim, estou aqui. Não sou eternamente grata. Não quero ordens, não quero acordos, não quero paz, não quero abortos, eu não estudo, não uso drogas, não falo errado, não ando torto, como besteira. Não passo das dez, escovo os dentes, vejo tevê, sou adolescente, erro, erro, erro. Ando por aí, não quero encontrar ninguém. Encontro. Oi, tudo bem? Ando mais um pouco, não quero encontrar ninguém, olho para o chão, pulo as pedras pretas, pulo as pedras brancas, vontade de ser criança, um garoto bonito do outro lado da rua, atravesso, mas que loucura! Desviar o caminho por causa de um gatinho, vê se pode, olha só, essa garota tá ficando louca, tem dó! Volto pra onde deveria estar naquele momento, mas de onde tinha saído por puro esquecimento...da hora! Ah, meu Deus, já tô atrasada pra aula, aquela mulher me odeia, melhor correr senão ela se chateia. Vou pisar em qualquer pedra, que se dane, nem tenho mais tempo, tá na hora, vamos embora, vamos logo, não vai dar, não vou chegar, mas nem por um decreto! Tô ferrada, isso é certo. Daqui a dois anos eu me livro, é só mais um pouco, mais um pouquinho, vou escrever um livro, lançar um filme sobre o garoto, tô na José Linhares, só falta um trechinho. Fiquei com ele ontem, liguei pra Ti, contei pra Tati, comentou com o Zé, que me ligou, pegando no meu pé. Esse aí é muito feio, não serve pra você, eu sou bem mais bonito, mais forte, mais alto e sua mãe me adora, já sei, já sei, já sei,...cheguei! Interfona aí para a Sônia, boa tarde, tô atrasada, dá pra ir rápido? Obrigada! Não sei porque o Zé não se pega, já que ele se ama tanto. Ou será que ele me ama, e eu é que espanto? Ah, que isso, o Zé um irmão, sou mais o Tiago, meu Deus, que tesão. Aquele garoto ainda vai se ver comigo, oi Soninha, fiz sim, tá aqui. Ops, cadê, pera aí, vou achar, é que a empregada arruma e tira tudo do lugar! Ai, Dani, depois a gente conversa, agora tenho que ir, foi mal, tô com pressa.

Yasmin Gomlevsky

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Poeminha Para Ninguém

A força do teu pensamento
Invade-me a alma de forma tão desastrosa
Que pensar respirar de outra substancia seria mais que um insulto a estes pulmões

Tuas palavras me ensandecem num estalo tão violento
Que chegam a tremer-me as pernas,
Que me consomem, percorrendo-me ferozmente

Num alarde, difunde-se o veludo que traz consigo tua voz
Chega a meus pés sem mesmo que eu dê-me conta
E quando vou ver, já estou completamente tonta

Mas me fazes mal, meu amor
Pois, que se vá sem se ver, que se vá sem me doer
Que se ande sem se sentir pesar, que se arda sem se sentir ferver

Vá, que te espero ao escurecer...


Yasmin Gomlevsky

Letras

De letras não podes viver, menina.
Ou de sonhos em papel.
Estudo é de que precisas,
Crês que te leva longe esse cordel?
Dia futuro, hás de se lembrar
Das palavras de quem te cuida.
Precisarás de quem te acuda,
Afundar-se-á em lamúrias.
Ponha a cabeça no lugar,
Largue de mão essa idéia.
Artista é vagabundo,
Um bastardo na miséria.
Queres para ti este destino?
Uma vida em desalinho,
O teu encalço, um desatino?
De letras não podes viver, menina.

Deixa-me sonhar, deixa-me em paz.
Que um dia mostrarei a ti de que é que sou capaz.
A ti e a todo mundo, mas deixa-me agora só, por um segundo,
Com meus sonhos em papel,
E minhas tiras de cordel.
A ti é que enganastes no conceito de miséria.
Miséria é em que vives,
Sem ter algo que veneras.
Deixa-me, então, livre para me arrepender,
Pois antes fracassar do que decidir por não fazer.


Yasmin Gomlevsky

Destino

- Você acredita em destino?
- Destino?
- É, você sabe: estrelas, céu, lua, magia...
- Desculpe, qual é o nome do senhor?
- Acredita?
- No nome do senhor?
- Em destino.
- Não sei... Acho que sim.
- Alex.
- Desculpe?
- Meu nome. Alex.
- Ah, sim. Prazer. Luana.
- Bonito.
- Gentileza sua.
- Parece com Lua. Acho que se tivesse te conhecido antes, gostaria de ter ficado te observando à noite há mais tempo.
- Desculpe...?
- Como costumo fazer com a lua...
- Ah, claro. Mas que é isso, não compare a lua com uma pobre mortal como eu.
- Comparar?
-... É.
- Nem que quisesse, daria.
- É. A lua é mesmo linda.
- A beleza da lua não chega aos pés da tua.
- Desculpe...?
- É, nunca vi nada mais bonito que a lua. Digo, até agora. Agora, tem você.
- Que é isso. Me deixa encabulada desse jeito!
- Mas eu não deveria! Não acredito...
- Em destino?
- Que uma moça bonita dessa nunca tenha ouvido isso da boca de ninguém.
- Já ouvi muita coisa, mas da lua, ninguém nunca me falou. É um absurdo.
- E o que é mais absurdo: falar da lua para você, ou de você para a lua?
- Desculpe... mas... não estou entendendo onde o senhor quer chegar com essa conversa.
- Não está entendendo? Mas como não? Sou tão direto, como não me entende?
- Não entendo porque me diz todas essas coisas...
- Ah, não? Pergunte para a lua!
- Para a lua?
- É.
- Mas o que tem ela a ver com isso tudo?
- Não acredita?
- Na lua?
- Em destino.
- Desculpe... não estou entendendo.
- O que não entende?
- A sua pergunta.
- Como não? É uma pergunta muito simples: acredita em destino?
- Mas por quê?
- Espere um minutinho.(Vira-se para o lado e fala com o outro homem)
- E o senhor?
- Desculpe...?
- Acredita em destino?
- Como assim, senhor?
- Destino, aquela coisa toda... sabe, predestinação.
- Ah, sim. Acredito, é claro!
- E acredita também na lua?
- Na lua?
- Sim.
- Ah, sim. Acredito, é claro!
- E no amor?
- Amor?
- É, senhor.
- Ah, sim. Acredito, é claro!
- À quantas vistas?
- Quantas vistas?
- Quantas vistas precisa ter o seu amor?

- O meu amor?
- Sim, senhor.
- Ah, umas... três?
- Três vistas não seriam demais para um amor, já que até nós, humanos, os seres mais complexos, temos apenas duas?
- Duas?
- Duas vistas.
- Duas vistas...?
- Ou por acaso o senhor não sabia que tem dois olhos?
- Ah, sim. É claro que sabia!
- Pois então. Se nós temos duas, porque o amor tem que ter logo três?
- Não sei...
(Vira-se para a mulher novamente, que prestava atenção na conversa. Diálogo entre a mulher e o homem).
- Pois saiba que o meu amor tem uma só.
- Uma vista?
- Uma.
- Uma só?
- Acredita?
- Em destino?
- Que te amo.
- Mas já?
- Pois, já.
- Nem me conhece!
- Pois é, acredita?
- Que já me ama?
- Em destino.
- Em lua, estrelas...?
- E em amor?
- Pode ser.
- Posso mesmo?
- Pode o quê?
- Ficar te olhando.
- Mas o senhor é doido? Nem me conhece! Estamos aqui, nós três, eu você e... ele, nos vendo pela primeira vez! Como pode querer me amar logo assim?
- Querer, eu não quero...
- Então porque pediu?
- Porque agora já amo, e pronto! Mania essa de ficar complicando as coisas.
- E que é que eu digo agora?
- Ah, não sei. Diz que me ama, assim fica mais fácil.
- Fácil? Não entendo.
- Tem certas coisas que não se entende mesmo.
- Tem?
- Tem. Essas são apenas algumas delas...
- Essas?
- Amor, magia, estrelas, a lua, o céu... O destino.
- Destino?
- Não te falei dele ainda?
- Já, mas...
- Então, acredita ou não?
- Em destino?
- Em mim.
- Acreditar no que?
- Que amo a senhora.
- Ama? Mas por que?
- Por causa dele.
- Dele (pensa que está se referindo ao homem que está sentado ao lado)?
- Do destino.

Yasmin Gomlevsky

Ladrões

(Clima tenso, meio sombrio. A e B estão dentro de uma sala do FBI onde continuam fazendo os seus negócios, mas com o máximo de cuidado, por causa das câmeras que os vigilam)
A- O que você me sugere, então? Eu hein!B- Já olhou nos cofres?A- Até no telhado, porra!B- E não encontrou?A- Se eu tivesse encontrado, você acha que eu estaria aqui. Com você, conversando?B- Procura perti da Bahia. Ouvi dizer que. Tudo que some, geralmente, vai parar perto da Bahia. Não necessariamente alguém leva para lá. Simplesmente aparece lá. Entendeu? Vai por mim. Vai que está!?A- Por que não vai você? Como se a Bahia fosse na esquina. Hum! Talvez até possa estar no Ceará. Vai lá! Quem sabe encontra! E, se encontrar, liga e avisa. Tá? Que aí sim, eu te encontro lá. Na Bahia. Porque se você encontrar no Ceará, eu te econtro na Bahia. (ironizando) Que é tudo a mesma coisa, né?! B- É que uma tia minha perdeu um anel de di... (é interrompido)A- (baixo) Tem câmeras por todos os lados, aqui. Se eu fosse você não sairia falando em (sussurrando) diamantes (voltando ao tom baixo normal) como se fossem água. Não aqui. B- Eu posso ir preso. Qual o problema? Eu não tenho família, mesmo. Você, não - (incisivo) Você, não. (voltando ao ar normal) Mas, de verdade. Procura perto da Bahia. Ou então, tira a bateria do seu relógio. Vai que está! Perdeu um anel de diamantes - viu? não houve nada - e achou lá perto. Da Bahia, mesmo. Por isso que eu te falei! Foi com boa intenção. Não precisava fazer pouco. Se quiser, vai. Senão, é pena. (entra C)C- Mas o que foi, por aqui?A- O... (é interrompido)B- (ao mesmo tempo) O que você acha? O que mais. Diga! Quantas coisas podem sumir na Bahia?A- Nada sumiu na Bahia, tonto. Sumiu o...B- (para C) Diga!A- E você (para B) inventou que era para procurar perto da Bahia. C- Onde já se viu.B- Se quiser, ajuda a procurar. Que atrapalhar não vai!A- E quem está atrapalhando aqui? Só vejo um. Ora! C- Já estou de saída. É que estava passando no corredor e ouvi algo sobre... diamantes.A e B- Ele ouviu algo sobre diamantes.B- O quê?C- Você é um medíocre. Ouvi que. (para A) Alguma coisa sobre a bateria do seu relógio.

A- (para B) Um espião?B- (para C) Quantos anos você tem? Trabalha aonde? E a graça? C- Meu nome é trabalho e, sobrenome, função. Fui (sai)A- Algo nele que eu não gosto. O ar.B- O ar é de um sonso. Deve estar mesmo é com ele! E ainda me veio com essa do diamante da tia Dalva. Ele...A- Ele ouviu. Mas duvido - duvido que esteja sozinho. Deve ter um bando, uma gangue.B- Criminosos? Assassinos?A- Ladrões! Mas burros! Mandaram o mais burro deles! O mais. Devem ser uns amadores. Dava para ver no olhar a bandeira de aspirante que o rapaz deu. Não devemos nos preocupar. B- Mas, como não? Chamo é de sonso, mesmo! Esfregou isso na minha cara - isso, seu ar de sonso! Disse que ouviu tudo! Mas, como? Ninguém sai entrando desse jeito na sala dos outros. Nem mesmo beteu! Dizendo ter ouvido confusão! Confusão tem em todo lugar! Entrou justo aqui, por quê?A- É que você é medíocre, mesmo. Na Bahia. É, por que não. Vamos nos concentrar no que interessa. Será? Vou tirar o relógio. Depois quem sabe até ligue para o JJ. Mora na Bahia, é meu amigo.
B – JJ, na Bahia? Mas quem foi que falou em JJ? (misterioso) Você conhece a (olha para os lados para ver se alguém está ouvindo) Hilda Pâmelom?
A – (curto e grosso) Não.
B – Pois eu vou lhe apresentar. Tem uns dois metros, é grandona, mesmo. Umas mãos firmes, um abdome definido.
A – Um homem?
B – Não mais. Pois bem. Se você ligar e perguntar, talvez ela saiba onde foi parar.
A – E por quê ela saberia? B, você, por algum acaso, sabe de alguma coisa que eu não sei? Se souber é bom ir dizendo, que depois vai ficar ruim para você, e eu posso garantir!
B – Epa, epa, epa, tá me confundindo, parceiro? Eu sou teu amigo ou não sou? Ora! Só estou dizendo que. Bom, se você quiser – pergunta à Hilda. O telefone eu te dou logo mais. Ela deve saber.
A – E por quê?
B – Porque ela sabe de tudo. Tudo.
A – O que ela é, afinal? Uma vidente daquelas que trazem a pessoa amada em três dias? Aposto que ela não sabe que. (o telefone toca)
B – Telefone, essa hora?
A – Deixa que eu atendo.
(A e voz, no telefone, em off)
A – Alô.
V.O.1 – (É alguem que sugere ao publico ser um comparsa de A, que supostamente estaria conspirando contra B) Você sabe quem está falando?
B – Quem é?
A – (hesitante, disfarçando, rindo) Ah, sei, claro que sei, vovó! Como não? E então, como vai a senhora?
V.O.1 – Péssimo. O paradeiro do (barulho de mau contato de algum aparelho eletrônico, talvez um microfone) foi descoberto. Precisamos achar um novo lugar para escondê-lo. Caso contrário, Hilda virá e.
B- Quem é?
A – O quê?
V.O.1 – Você não sabe quem é Hilda?
A – Não. Mas, tudo bem, vozinha. Deixe isso para lá. Mas me conte, e aquele docinho de abóbora que eu te mandei pela Zilmara?
B – Quem é?
V.O.1 – Está guardado aqui em casa. Não pode ficar aqui. Dá cadeia. Se alguém descobre. Estamos perdidos. Ouviu? – Perdidos. É coisa ilegal! Acho bom arrumar algum lugar logo para esconder esse diabo desse. E diz para esse corno aí do seu lado calar a boca. Faz uma coisa, vem para cá.
A – Estou indo (desliga o telefone. Para B). Vou ter que sair e já volto.
B – Para onde? E quem era?
A – A minha avó. Tchau.
(A sai e B faz uma ligação)
B – E aí? Encontrou?
V.O.2 – Encontrei! Encontrei, mal posso acreditar! Encontrei!
B – Ai, Deus é pai! Não acredito! Como você encontrou? Onde estava? Ahhh!
(Nesse momento surge uma interferência no telefone, e A e V.O.1 surgem na mesma linha)
V.O.1 – Já te falei. Tirei de onde estava e guardei aqui em casa. Agora vem para cá, porque tá demorando tanto com isso?
V.O.2 – Tirou de onde estava? Meu Deus! E agora??? Onde você colocou? Ah, tanto trabalho para encontrar e você simplesmente tira de onde encontro!
B – Espera um pouco, não foi você mesmo quem tirou? E quem encontrou? Quem encontrou e depois tirou? E agora, onde está? Você está meio variado das idéias.
A – (o único que parece pensar, entende o ocorrido e fica quieto, apenas ouvindo a conversa dos três e tentando mandar sinais a V.O.1 para que desligue)
V.O.1 – Mas eu já te disse que está aqui em casa. Quer o endereço, de novo? Rua Conde Joelson, número dez.
V.O.2 – Estou indo. (desliga)
(V.O.1 desliga)
B – Estou indo. (desliga)
A – Como é que você vai conseguir sair daqui, posso saber?
B – (Tira do bolso o que parece ser a cópia da chave da sala, que estava trancada) Eu sempre consigo tudo.
A – Safado! Filho da puta!
(Quando B abre a porta, leva três tiros e cai morto. 2 guardas entram e levam A pelo braço, até a saída de cena)